Cotidiano

Inclusão de acordo com as Farc na Constituição gera críticas

2016 909006037-201605122123404521_AFP.jpg_20160512.jpgRIO E BOGOTÁ – A polarização da sociedade colombiana em relação ao acordo de paz entre o governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) cresceu ainda mais com o anúncio de que o pacto a ser firmado será elevado a Lei Constitucional, numa tentativa de impedir futuros descumprimentos. Se, por um lado, o presidente Juan Manuel Santos comemorou os avanços, classificando-os como ?um passo na direção da paz?, por outro, o procurador-geral da República, Alejandro Ordóñez, enviou uma carta ao mandatário lembrando-o de que foi eleito para ?respeitar a Constituição, e não para derrubá-la ou fazê-lo lado a lado com as Farc?. Farc

?Vossa Excelência, senhor presidente, e ?Timochenko? (nome de guerra usado por Rodrigo Londoño Echeverri, chefe máximo das Farc) esperam que nem mesmo a vontade do povo, expressa através dos mecanismos constitucionais, ou o Congresso da República possam modificar tais acordos, nem agora, nem no futuro?, diz a carta. ?Essa é uma ação realizada à margem da Constituição que é incompatível com qualquer regime democrático, equivalente a submeter de forma ditatorial ao povo colombiano a vontade das Farc e do governo. Quem lhe deu essa prerrogativa, doutor Santos??.

As críticas de Ordóñez se concentram especialmente nos termos divulgados do consenso entre governo e Farc, que esperam ? em suas próprias palavras ? dar ao acordo um status ?quase pétreo?. Segundo o governo, uma vez aprovado o acordo final para o fim do conflito e a construção de uma paz estável e duradoura, será realizada uma declaração unilateral do Estado colombiano ao secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon.

? Ao aceitar esses procedimentos, as Farc, pela primeira vez, reconhecem nossas leis e os Poderes de nossa Constituição, inclusive a aprovação e inclusão dos acordos como parte de nossa Constituição por parte do Congresso ? celebrou Santos.

Evolução da guerrilha

Para a analista política María Victoria Duque, subdiretora da fundação Razón Pública, o reconhecimento das instituições colombianas mostra uma evolução da guerrilha após mais de cinco décadas de conflito.

? Esse é um passo importantíssimo e mostra que as Farc amadureceram durante as negociações dos últimos quatro anos ? afirmou ao GLOBO. ? O país segue polarizado, especialmente nas grandes cidades, onde os efeitos do conflito já não são mais sentidos, portanto é natural que a direita se oponha, insistindo na ideia de derrotar as Farc militarmente, algo que, como vimos, não funcionou nos últimos 50 anos.

Embora ainda seja necessário acertar alguns pontos, como por exemplo o desarmamento da guerrilha, as negociações entre governo e as Farc deixam cada vez mais próxima a possibilidade de uma data para o acordo final, já que a resolução das questões pendentes deve acontecer por volta do dia 20 de julho.

No entanto, a lua de mel entre governo e Farc já começa a gerar preocupações, a principal sobre como combater grupos de traficantes que se articulam para ocupar os espaços deixados com a saída da guerrilha. Para Eduardo Díaz Uribe, diretor do Escritório de Atenção Integral à Luta Contra as Drogas, a indiferença da guerrilha em relação ao tema coloca em risco a implementação do futuro acordo de paz.

? Esse é um tema muito importante porque, embora o tráfico de cocaína não seja a origem do conflito, foi, sem dúvida, um combustível para que ele se amplificasse ? concorda María Victoria. ? Se os seis passos do acordo forem cumpridos, chegaremos a um estágio no qual o combate ao narcotráfico será tratado como uma questão criminal sem ramificações políticas. O mesmo aconteceu no combate aos paramilitares. Quando muitos decidiram permanecer em suas atividades criminais, passaram a ser tratados como o que são verdadeiramente: delinquentes.

Se o processo com as Farc demonstra avanços, as negociações com o Exército de Libertação Nacional (ELN) seguem repletas de tensões. A Procuradoria-Geral da Colômbia informou na quarta-feira que está investigando cinco líderes de alto escalão do ELN por quase 16 mil crimes de guerra e contra a Humanidade.

? Todos esperávamos que os processos de paz com as Farc e o ELN andassem paralelamente, mas isso não aconteceu. Houve um período em que massacres e sequestros eram tudo o que havia nas notícias, mas isso passou, e a sociedade colombiana já não admite mais transgressões como essas. Não há mais vontade de negociar com um ELN que segue sem dar sinais de que cederá ? conclui María Victoria.