Cotidiano

Ibeyi mostra no Rio a sua África do novo milênio, elogiada por Prince

IB--®FLAVIEN_PRIOREAU-1.jpgRIO – A origem africana da música das gêmeas francesas Lisa-Kaindé e Naomi Díaz, de 21 anos, está nos orixás que evocam em seus cânticos, na percussão de Naomi e ainda no nome que escolheram para batizar seu projeto musical: Ibeyi, que quer dizer ?gêmeas? em iorubá. Junte-se a isso a influência do pop de várias procedências, o piano de Lisa e um tratamento eletrônico cuidadoso na produção e tem-se ?Ibeyi?, álbum de estreia das moças, que provocou sensação desde que foi lançado, em fevereiro do ano passado.

O platinado produtor inglês Mark Ronson, do hit ?Uptown funk? e do álbum ?Back to black?, de Amy Winehouse, pegou a faixa ?Stranger/lover? e fez um remix-recriação. E Beyoncé as chamou para participar do filme que fez para seu último álbum, ?Lemonade?. Rapidamente, o Ibeyi chegou juntinho das estrelas, com sua música sedutora, mas difícil de rotular.

? A pessoa mais impressionante que conhecemos foi Prince ? revela, por telefone, Lisa, que amanhã se apresenta com a irmã pela primeira vez no Rio, no Circo Voador. ? Nós estávamos em Minneapolis (cidade do cantor, falecido em abril), ele foi ver o nosso show e depois apareceu no camarim, disse algumas coisas bonitas e nos convidou para ir à casa dele na próxima vez que fôssemos à cidade. Acredita que, um dia antes de ele morrer, nós chegamos a acertar uma data para esse encontro? “Stranger/lover” – Ibeyi

Lisa e Naomi têm a quem puxar: elas são filhas do percussionista cubano Anga Diaz, que trabalhou com o grupo de jazz latino Irakere e fez parte do Buena Vista Social Club, ao lado dos cantores Compay Segundo, Omara Portuondo e Ibrahim Ferrer e do pianista Rubén González. Ele morreu em 2006, quando as meninas tinham 11 anos de idade, mas as deixou encaminhadas para a música: Lisa se encontrou no piano e na composição, Naomi no cajón, e as duas se encontraram, uma à outra, no canto.

Estimuladas pela mãe, a cantora franco-venezuelana Maya Dagnino, as irmãs (que passaram em Paris boa parte de suas vidas) desenvolveram sua parceria musical, que acabou sendo descoberta por Richard Russell, dono do selo XL Recordings, casa de grandes nomes da música alternativa, como Radiohead e Vampire Weekend, mas também da potência pop Adele. Ele produziu pessoalmente o álbum de estreia do Ibeyi.

? A música faz a ligação entre todos os seres humanos, é maravilhoso poder partilhá-la com as pessoas ? festeja Lisa. ? Na verdade, a gente não se deu conta de que estava fazendo um álbum (quando Richard começou a produção de ?Ibeyi?). Vivemos a música desde que nascemos, mas o som do Ibeyi foi nascendo à medida que experimentávamos no estúdio, guiadas por Richard, que nos fez misturar os cânticos iorubás com a eletrônica. Hoje em dia, temos uma boa ideia do que temos que fazer.

A cantora e pianista admite não saber quais das ideias originais para o disco são suas e da irmã e quais vieram de Richard Russell (que, junto com o vocalista do Blur, Damon Albarn, produziu ?The bravest man in the universe?, de 2012, o último álbum de um mito do soul, o cantor americano Bobby Womack).

? O mais legal é que Richard nunca nos impôs nada, nunca disse o que deveríamos fazer ? comenta Lisa. ? Ele nos deixou fazer o que queríamos, foi uma bênção trabalhar com ele.

Com faixas que vão do funk sintético de Prince (?Stranger/lover?) ao trip-hop de um Massive Attack (?River?) e as pirações vocais de Bjork (?Oya?), mas sem nunca deixar de ser afro-cubano, ?Ibeyi? reflete as multifacetadas influências que as meninas receberam em seus anos de formação musical. “River” – Ibeyi

? A Naomi ouve um monte de hip-hop e música eletrônica. E ela escuta também as coisas novas, os novos rappers e muito funk. Toda a parte rítmica do Ibeyi vem dela ? entrega Lisa. ? Já eu ouço um bocado de soul e jazz. Minha deusa é Nina Simone, mas amo também (a baixista e cantora) Meshell Ndegeocello. Em nosso caminho pelo mundo, a cada dia a gente vai descobrindo mais e mais músicas, e isso é o que ajuda a formar o som do Ibeyi.

Nas letras (escritas em inglês e iorubá) também está impressa muito da vivência das irmãs. A arrepiante ?Yanira? (?nós nos encontraremos no céu?, cantam) foi feita para a irmã mais velha das duas, Yanira, que morreu em 2013, após sofrer um ataque cardíaco. Irmã e pai estão sempre nas orações da dupla, que abriu o disco com ?Eleggua?, curta faixa de cunho místico, uma saudação em iorubá a Exu. Outras referências a entidades das religiões africanas podem ser encontradas em ?Oya? (Iansã) e ?River? (Oxum). “Oya” – Ibeyi

? Nós sempre procuramos separar crença de religião ? adianta-se Lisa-Kaindé Díaz. ? Iorubá é a nossa crença, e quando falamos de Xangô, por exemplo, isso tem um significado especial para nós, está em nosso DNA. Mas não cantamos isso para tentar levar as pessoas à religião iorubá, não é o nosso objetivo. Queremos mais é que as pessoas se abram para receber a cultura iorubá. Ela merece ser conhecida.

Em sua primeira viagem ao Brasil, as gêmeas (que fazem 22 anos em 13 de dezembro) estão cheias de expectativas pelo que vão encontrar ? a noite do Ibeyi no Circo tem abertura de Jaloo, cantor, produtor e nome de destaque da mutante música pop eletrônica do Pará.

? Esperamos nos sentir em casa e fazer um show no qual as pessoas cantem alto com a gente ? torce Lisa, que, assim como a irmã, não é estranha à música brasileira. ? Nós gostamos muito de Seu Jorge e de Elis Regina. Sempre havia música brasileira em casa, tocada pelo meu pai e também pela minha mãe.

No Rio, o Ibeyi faz o último show da turnê de ?Ibeyi?, com todas as canções do álbum (e nenhuma do disco novo, que começarão a fazer ainda este ano, com Richard Russell).

? A gente acredita que o disco fica melhor quando tocado ao vivo. Tem alguma coisa diferente quando você tem as luzes, ou então quando canta à capela ? diz a irmã pianista, que pretende tirar um tempo agora para estreitar suas relações com a Cuba que tanto inspira sua música. ? Achamos importante que a situação política do país mude, a população quer isso. Mas nós tememos, é claro, que Cuba vire uma Miami. Conhecemos as boas coisas de lá e a sua força, e não queremos que isso se perca. “Mama says”