Cotidiano

Foto de Crivella fichado pode ter sido prática equivocada da Polícia Civil

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RIO – A foto que estampa a capa da edição da revista ?Veja? deste fim de semana, que mostra o candidato à prefeitura do Rio Marcelo Crivella (PRB) fichado pela 9ª DP (Catete) em 1990, pode ter sido fruto de uma prática equivocada da Polícia Civil à época. É o que explicam especialistas em direito penal ouvidos pelo GLOBO. Segundo eles, a constituição brasileira de 1988 estabelece que, mesmo em caso de prisão em flagrante, só deveria ser fichado quem não tivesse registro civil em mãos ou legível, ou ainda quem tivesse identidade falsificada.

Por outro lado, juristas dizem que o senador e candidato agiu de forma errada, incorrendo até em crime de baixo potencial ofensivo, ao tentar reaver um terreno ocupado por iniciativa própria. O correto seria ajuizar uma ação na justiça, que seria responsável por notificar os ocupantes e reintegrar a posse. Em caso de resistência, a polícia seria convocada.

De acordo com a revista, Crivella foi preso por policiais da unidade no dia 18 de janeiro de 1990. A detenção durou 24 horas. À época, ele era engenheiro responsável pela construção de uma Igreja Universal em Laranjeiras, na Zona Sul do Rio. Segundo sua campanha, em nota, ?na ocasião, Crivella, como engenheiro, tentou entrar em um terreno da Igreja Universal que tinha sido invadido em Laranjeiras. Na confusão, acabou sendo levado para a delegacia, onde o delegado mandou fazer as fotos para identificá-lo. A única investigação aberta foi para investigar o abuso de poder do delegado?.

IDENTIFICAÇÃO NÃO É REGRA, DIZ ADVOGADO

Para o criminalista Bernardo Braga, que também é professor de Direito do Ibmec, a identidade criminal ?é exceção, não a regra?. Quem tem documento civil íntegro, segundo ele, não deve ter de ser fotografado pela Polícia Civil:

? Hoje em dia, tem a lei 12.037 de 2009, que estabelece que a identidade criminal só deve ser feita se o detido não tem a identificação civil ou se o documento está destruído. Pode ser que essa identificação seja uma arbitrariedade. Ele (Crivella) não poderia ter sido identificado criminalmente nem se fosse preso ? afirma ele. Segundo Braga, a lei citada permite que, após inocentado ou tendo o inquérito arquivado, o cidadão fichado criminalmente pode retirar a foto da polícia civil.

Já Breno Melaragno, presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB/RJ, ressaltou que, em 1990, a prática da identificação criminal era ilegal, ?a menos que ele (Crivella) não portasse nenhum documento de identidade?:

? Mesmo que tenha sido preso em flagrante. Ou ele estava sem identidade ou o delegado da época tomou uma atitude ilegal, o que não era incomum.

Thiago Bottino, especialista em direito penal e professor da FGV, acrescenta que a prática continuou sendo adotada como ?cultura? policial:

? Uma coisa é você mudar a lei, outra é mudar as práticas. Mesmo essas práticas demoram pra deixar de acontecer. Mudar a constituição pode, mas a cultura demora um pouco mais a mudar. Não adianta ter uma lei democrática se tem condutas autoritárias.

CRIVELLA ERROU AO NÃO RECORRER À JUSTIÇA

Bottino explica também que o senador, de acordo com o que publicou ?Veja?, não deveria ter ido pessoalmente expulsar a família que ocupava o terreno da igreja em Laranjeiras. O único caso em que o proprietário pode expulsar o ocupante é se a invasão tiver acabado de acontecer.

? Deveria ter ajuizado uma ação. Você não pode fazer justiça pelas próprias mãos com homens armados. Ele teria que ter ajuizado uma ação de despejo ou reintegração de posse. Não usar violência ou ameaça. Se a pessoa tiver ocupado naquele momento você pode expulsá-la. Mas no caso descrito, as pessoas já estavam morando lá.

De acordo com Breno Melaragno, a ação atribuída a Crivella caracteriza o crime de exercício arbitrário das próprias razões, que é quando a justiça é feita com as próprias mãos em vez de acionar o Poder Judiciário:

? Seria um crime de menor potencial ofensivo. A pessoa não tem nem que pagar fiança, muito menos ser preso.