Cotidiano

Estado poderá vender Cedae como contrapartida na renegociação das dívidas com a União

Brasília e Rio – O governo estadual poderá oferecer a venda da Cedae como contrapartida na renegociação da dívida com a União. A privatização foi sugerida pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que deu o aval para seis meses de moratória aos estados, além de descontos graduais nas prestações por 18 meses. A informação foi divulgada na quarta-feira pelo jornal “Valor Econômico”.

De acordo com fontes do Palácio Guanabara, a Cedae seria o único ativo que o Rio teria para oferecer nas negociações com o governo federal. A União também exigiu que os estados limitem a correção dos gastos públicos à inflação do ano anterior e deixem de dar aumentos reais ao funcionalismo público por 24 meses. Ontem, O GLOBO mostrou que as despesas do Rio com servidores da ativa e inativos cresceram 18,8% acima da inflação nos últimos cinco anos.

O ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, afirmou que as discussões sobre a venda de ativos dos estados estão sendo feitas “caso a caso”. Disse ainda que interessa ao governo federal que ocorram privatizações:

— Sim, há uma disposição do governo para aceitar esses ativos dentro das negociações, mas não há uma determinação para que esta ou aquela empresa seja privatizada. Caberá a cada governador decidir, e a negociação poderá ser feita como forma de redução do estoque das dívidas.

A venda da Cedae é um assunto polêmico no estado e enfrenta muita resistência. Na cúpula, a privatização é defendida pelo governador em exercício Francisco Dornelles. Pessoas próximas ao governador afastado Luiz Fernando Pezão — que sempre foi contrário, mas segundo Dornelles, já seria favorável à venda — afirmam que a companhia está avaliada em R$ 4 bilhões, mas que há mais de R$ 2 bilhões em passivos trabalhistas. O valor cobriria apenas um pequeno percentual da dívida do estado com a União, que chega a R$ 67 bilhões.

Outro entrave para a negociação seria o fato de que os investimentos de R$ 3 bilhões feitos pela companhia em obras na Baixada Fluminense têm como garantia contratual a arrecadação com os serviços prestados na Zona Sul, na Barra, no Recreio e em Jacarepaguá, responsáveis por 40% do faturamento da empresa. Essas regiões são justamente as que estão no planejamento do governo para a concessão dos serviços de água e esgoto da empresa à iniciativa privada. Numa hipótese de concessão, seria necessária a aprovação pelos deputados na Assembleia Legislativa (Alerj), cujo presidente, Jorge Picciani (PMDB), tem sido um dos maiores defensores da venda da Cedae.

Uma das possibilidades seria vender parte das ações da companhia, que hoje são 99,99% dos papéis do estado, mas somente após o governo fazer a concessão do esgoto da região metropolitana e concluir das obras da estação de tratamento de Guandu 2. Essas medidas aumentariam o valor de mercado da empresa, que hoje é considerado baixo. No entanto, o término das obras de Guandu levaria no mínimo dois anos.

Para o economista Aloísio Araújo, da Escola Brasileira de Economia e Finanças da FGV, a privatização da Cedae seria uma excelente solução para modernizar as redes de abastecimento da cidade reduzindo os desperdícios com a perda de água tratada por vazamentos e expandir o tratamento de esgotos para áreas não atendidas, principalmente regiões carentes:

– Os investimentos privados poderiam inclusive permitir que com a eliminação das perdas seja possível abastecer áreas mais carentes de água, como a Baixada Fluminense, sem necessidade do estado gastar bilhões para ampliar a rede de água da região. Além disso, o setor privado poderia investir na ligação de esgotos, reduzindo a poluição na Baía de Guanabara. O custo proporcionalmente não seria tão elevado porque muitas estações de tratamento, como Alegria, já foram implantadas.

O especialista defende também que por questão de escala a eventual concessão seja feita de forma integral ou em grades porções. Isso garantiria que o setor privado investisse também nas áreas mais carentes. Ele, no entanto, acredita que o nível de investimento pode exigir financiamento público, por instituições como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

O secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, Marco Antônio Vaz Capute, se disse radicalmente contra a venda da Cedae.

— Acho isso errado. Esse não é o momento de vender nada. Na crise tudo vale muito pouco. O governo vai vender a operação na Barra e na Zona Sul, que é a parte limpa da Cedae e ficar com a podre? E as dívidas trabalhistas e de empréstimos da Cedae? Ficarão com o estado?!

PRIVATIZAÇÃO DEPENDE DE AVAL DE MUNICÍPIOS

A concessão ou privatização dos serviços da Cedae, no entanto, não é uma decisão que possa ser tomada apenas pelo governo do Estado. O assunto terá que ser debatido e aprovado por uma espécie de órgão colegiado, cuja formatação ainda está sendo debatida na Alerj a ser formado pelo governo do Estado e os prefeitos de 21 municípios da região metropolitana.

A necessidade de um acordo integrado sobre o tema toma como base uma decisão do Supremo Tribunal Federal que em fevereiro de 2013 julgou uma ação direta de inconstitucionalidade, que tramitava desde 1998, quando o então governador Marcello Alencar tentou, sem sucesso, privatizar a Cedae. Os ministros do supremo entenderam que decisões estratégicas sobre saneamento tem que ser negociadas entre todas as cidades que de alguma forma possam ser afetadas pela medida já que qualquer concessão pode causar desequilíbrio de receitas para investimentos na área.

— Concessões anteriores, como em Niterói e na Zona Oeste ocorreram antes dessa decisão do STF. Mesmo que a decisão seja fazer uma concessão apenas da Barra, por exemplo, terá que obrigatoriamente ser aprovada por esse ente metropolitano — observou o diretor executivo da Câmara Metropolitana, Vicente Loureiro.

Ele coordena os debates sobre a criação da entidade. Vicente explicou que pela proposta em tramitação na Alerj, o estado teria entre 25 a 30% dos votos. O peso das demais cidades levaria em conta o tamanho da população. Para qualquer medida ser aprovada deveria ter pelo menos 60% dos votos. Além de saneamento, esse órgão também deliberaria sobre temas como mobilidade urbana (incluindo a implantação de novos corredores de BRTS), uso e ocupação do solo e meio ambiente. Ante de ir à votação, o projeto terá que passar por audiências públicas na Alerj.

Divulgado em março, um levantamento feito pela ONG Trata Brasil sobre serviços de saneamento nas cem maiores cidades brasileiras mostra que o Rio — onde a atividade cabe, principalmente, à Cedae — aparece na 50ª posição. Entre as capitais, está na 11ª. Dentro do próprio estado, a capital fica na quinta colocação, atrás de Niterói, Petrópolis, Campos e Volta Redonda, municípios onde o saneamento é feito por concessionárias privadas. No estudo divulgado pela Trata Brasil em 2015, o Rio aparecia em 56º lugar. De lá para cá, apesar de algumas mudanças de metologia no trabalho, especialistas dizem que houve pequenas melhoras. Hoje, 91,62% da população carioca tem acesso a água potável e 83,11% é atendida por rede de esgoto. Os problemas de saneamento se refletem na poluição da Baía de Guanabara, que sediará provas de vela durante as Olimpíadas, em agosto.