Cotidiano

Entidades se unem para realocar índios

Levantamento de famílias indígenas começa hoje; termo proposto a caciques pede que pare chegada de mais invasores

Santa Helena – Às 9h dessa quinta-feira, nas vias centrais de Santa Helena, o comércio todo fechou as portas. Comerciantes e colaboradores foram para a frente da prefeitura numa espécie de vigília, em um protesto pacífico e de apoio aos produtores rurais que, segundo as entidades de classe locais, vivem com medo de invasões de área por indígenas naquele município.

Do lado de dentro da prefeitura, naquela mesma hora, poder público, representante do Ministério Público, sindicato rural, entidades civis, Itaipu, líderes empresariais e caciques tentavam entrar em consenso para um problema que, segundo a população local, aumenta a cada semana: a chegada de mais indígenas, superlotando as áreas já ocupadas, agravando o risco de que novas áreas sejam invadidas.

Segundo o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Flávio Backs, a situação tem colocado todos em alerta: “Tem produtor rural que não dorme mais. Neste momento, os indígenas estão em áreas da Itaipu, mas vêm se aproximando das propriedades rurais e o nosso temor é de que aconteça aqui o que vem acontecendo com Guaíra e Terra Roxa. Qeremos resolver tudo de forma pacífica. Jamais ameaçamos ninguém e queremos resolver com o diálogo, mas também queremos ter o direito sobre as nossas terras”, disse o sindicalista, ao lembrar que o Município é potencialmente agrícola, tem 3,3 mil propriedades rurais e que mais de 40% de sua população ainda vive no campo.

Do lado de fora, produtores, comerciantes e a população local faziam um protesto pacífico pedindo respostas ao poder público

Do lado de fora, produtores, comerciantes e a população local faziam um protesto pacífico pedindo respostas ao poder público. Foto: Aílton Santos 

 

Indígenas criticam a Funai

O encontro de ontem foi o terceiro realizado nos últimos meses para debater o mesmo assunto, além do processo de demarcação em curso em Santa Helena e que provoca muitas dúvidas à população local. “Não confiamos na Funai, não confiamos no processo feito para essas demarcações. Então que garantia temos sobre as nossas terras?”, desabafou um produtor rural durante o encontro de ontem.

Ainda sobre a Funai, os próprios caciques relataram durante a reunião a falta de assistência da pasta, que também não encaminhou representares à reunião para auxiliar na representação indígena. O Jornal O Paraná tentou contato com a unidade de Guaíra, a responsável por esses assuntos no oeste do Paraná, mas ninguém atendeu as ligações.

Abertura ao diálogo

Os próprios caciques admitem que a chegada de novos índios tem sido frequente, vindos de vários lugares do País e de fora dele. Um dos caciques disse ter impedido que outros se instalassem na área coordenada por ele. “Também gostaria de deixar claro que vamos esperar o processo de demarcação e da parte da nossa aldeia não há risco de invasão de terras privadas”, disse o cacique Nelson Ribeiro, um dos cinco presentes na reunião.

Ele pediu mais diálogo e que as informações sejam checadas antes da disseminação “do terror”. “Outro dia teve uma informação de que estava vindo um ônibus com índios para cá. Na verdade, o ônibus estava vindo do Mato Grosso do Sul, passaria por Guaíra para ir para o Rio Grande do Sul. Eles foram para lá trabalhar na colheita da maçã. Por isso é importante que as informações sejam confirmadas antes. Numa dessas o ônibus passa por aqui e é recebido com bala e nem se sabe por quê”, reforçou.

Do lado de dentro, na reunião, produtores, indígenas e poder público buscam alternativas. Decisões ficam para a próxima semana. Foto: Aílton Santos 

Quantos são? Uma conta que ninguém sabe a soma

O reflexo de chegada constante de novos indígenas gera diversas dúvidas. Neste momento, por exemplo, nenhuma das entidades sabe o número exato de índios que estão vivendo em Santa Helena. Por isso, a partir de hoje, até a próxima quinta-feira, equipes da prefeitura e parceiros foram autorizados pelos caciques e farão um levantamento, em cada área, para saber quantos indígenas há em cada espaço ocupado. O objetivo é, com esse número próximo, tentar frear a chegada de novos índios à cidade, com um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) que promete ser assinado entre os caciques e o Ministério Público Estadual possivelmente no próximo encontro agendado para a semana que vem.

Outro ponto na pauta da reunião da próxima sexta-feira será a negociação para uma relocação provisória e consentida de todos ou de pelo menos parte dos indígenas que hoje vivem nessas áreas de preservação ambiental em Santa Helena. “Como eles estão em área de preservação ambiental, não se pode oferecer atendimentos e serviços básicos. O que se propôs e vai se analisar é a possibilidade de realocá-los em duas aldeias [já demarcadas] em Diamante D’Oeste, onde há espaço para recebê-los provisoriamente até que uma área em definitivo seja viabilizada”, afirmou o superintendente de Gestão Ambiental da Itaipu Binacional, Ariel Scheffer.

Por enquanto, isso é apenas uma ideia, já que nem os caciques de Diamante D’Oeste foram ouvidos ainda a respeito, e os caciques de Santa Helena vão discutir a possibilidade com suas tribos.

Outro ponto tratado no encontro, reforçado por representantes da Itaipu, do Ministério Público Estadual e do poder público municipal, é que um dos possíveis parceiros para a cessão de uma área em definitivo seja o Estado do Paraná. Ocorre que, constitucionalmente, as questões indígenas são uma atribuição da União e não do Estado. O governo do Paraná foi procurado sobre essas tratativas, mas até o fechamento desta edição não houve resposta.

Cinco áreas invadidas em Santa Helena

Segundo a Itaipu, atualmente há cinco áreas invadidas por indígenas em Santa Helena. Uma delas foi ocupada ainda em 2015, três de 2017 e uma de 2018. A invasão mais recente em Santa Helena é do início de fevereiro deste ano. Essa área invadida fica próxima ao Porto Internacional. A Polícia Ambiental constatou no local inicialmente a presença de oito famílias, sendo 20 adultos e dez crianças. Em março, segundo informações dos técnicos da Itaipu, outras seis famílias se juntaram ao grupo.
Ainda em março, havia informação do próprio líder dessa invasão de que outras 26 famílias provenientes de Terra Roxa estariam prestes a se juntar à invasão.

A Itaipu ajuizou ação de manutenção de posse da área adjacente à invasão a fim de evitar a ampliação da invasão, cumulada com pedido de reintegração de posse da área invadida. Ainda não há um desfecho judicial sobre esse pedido.

Promotor acredita na pacificação

O promotor de Justiça do Ministério Público Estadual de Santa Helena, Adilto Luiz Dall´Oglio, avaliou o encontro de ontem como extremamente positivo e acredita que haverá uma solução às demandas. “Avaliamos como favorável e produtiva essa reunião. Se conseguirmos obter essa solução, teremos um resguardo tanto aos interesses da comunidade indígena quanto dos produtores rurais. Achamos bastante favorável e os indígenas se mostraram abertos à possibilidade de conversa”.

Na reunião agendada para a próxima sexta-feira participarão representantes da comunidade indígena, do Executivo, do Legislativo, do Ministério Público e da Itaipu Binacional.