Cotidiano

Embaixada Solidária em Cascavel vai atender 4.500 estrangeiros

Trabalho voluntário já é desenvolvido em Toledo há três anos

Embaixada Solidária em Cascavel vai atender 4.500 estrangeiros

Reportagem: Patrícia Cabral

Eles não podem ficar desamparados. É com essa visão que a jornalista Edna Nunes não se cansa de mobilizar pessoas, parceiros e instituições para fazer com que os refugiados que vivem no Brasil recebam assistência que precisam. Desde 2017, suas ações ganharam corpo em Toledo, onde fundou a Embaixada Solidária, trabalho que agora pretende trazer a Cascavel.

A Embaixada Solidária na cidade vizinha se depara diariamente com inúmeros pedidos de ajuda de estrangeiros de todas as idades, que vieram de diferentes países, grande parte deles do Haiti, assolado em 2010 por um terremoto. “A gente recebe muito pedido de ajuda de Cascavel. Muitas pessoas pensam que atuamos em toda a região, mas não temos estrutura para isso, então, nosso auxílio acaba sendo oferecido de maneira isolada, como no caso do assassinato de um senegalês, em Cascavel. Nós nos mobilizamos até com relação ao traslado do corpo”, lembra, referindo-se a um rapaz morto em uma confusão no Centro de Cascavel em julho de 2018. “Já atendemos também pedidos de mulheres grávidas, refugiados que chegam e ficam na rodoviária da cidade”, acrescenta.

Algumas ações em Cascavel têm sido feitas em conjunto com a Pastoral do Migrante. “A nossa parceria acontece especialmente com relação a vagas de emprego, necessidades de gestantes e pedidos de ajuda de algumas famílias”, explica Edna.

A ideia da Embaixada Solidária em Cascavel, por enquanto, está na fase de planejamento e organização. Para que se torne realidade, será preciso muito trabalho. “Fazer com que o projeto saia do papel depende de muita coisa. Estamos reunindo pessoas que estejam dispostas a abraçar a causa, que vão passar por treinamentos, receber orientação…”

Em Toledo, a Embaixada conta com 30 voluntários ativos e 70 sazonais, que contribuem com ações e doações esporádicas. A ONG já possui sede própria e tem o apoio de colaboradores de diversas áreas, profissionais liberais, além de instituições de ensino e até do setor jurídico.

A intenção é que o mesmo aconteça em Cascavel: “Vamos começar sem estrutura física. Depois de reunir os voluntários, vamos atrás das organizações, de empresários e instituições e encaminhar nossas necessidades, nossas demandas. Esperamos que até o ano que vem tudo já esteja encaminhado para a viabilização de uma sede igual a que temos em Toledo”.

10 mil estrangeiros

Edna conta que, na região oeste do Paraná, moram mais de 10 mil estrangeiros e que só em Cascavel o número chega a 4.500. Em Toledo, passa de 2.500. Mais de 2 mil pessoas, de 14 etnias diferentes, já receberam atendimento da Embaixada Solidária de Toledo. “Cascavel, Toledo, Pato Branco e Medianeira são as cidades atualmente que mais possuem estrangeiros proporcionalmente no Paraná, segundo números divulgados pelo Ceim [Centro de Informação para Migrantes, Refugiados e Apátridas do Paraná]. Só de crianças, Toledo tem 250, com expectativa de dobrar para o ano que vem, porque as famílias estão aumentando muito nos últimos meses”, comenta.

Como ser voluntário

Para fazer parte do projeto, a única exigência, segundo Edna Nunes, é ter boa vontade. “É preciso ter noção do que é trabalho humanitário e sentir sintonia com a missão. Vamos inserir esses voluntários no grupo da Embaixada de Toledo para saber como a gente trabalha, quais os procedimentos. Depois vamos colocar em contato com uma voluntária de Cascavel para que a pessoa comece a acompanhar nossas atividades, entender como acontece esse processo, a história de vida dos refugiados, causas e principalmente para ajudar a encontrar soluções para as situações”, resume.

Em busca de uma vida melhor

Os estrangeiros que chegam ao Brasil, especialmente à região oeste do Paraná, movidos pela esperança. Alguns vêm sozinhos, outros trazem a família toda, incluindo filhos pequenos. Aqui, eles se deparam com desafios que começam com a comunicação. Vários deles têm muita dificuldade em se expressar. Encontrar um lugar para morar também não é nada fácil. “Se fossemos listar as dificuldades, teríamos comunicação, trabalho, invisibilidade, moradia e preconceito. Eles migram, não são atraídos. Vêm atrás de uma vida melhor, fogem de todo tipo de crises, desde ambientais, religiosas, econômicas e políticas”, conta Edna Nunes.

Os homens possuem mais facilidade no mercado de trabalho por conta da oferta de vagas em cargos braçais, como na área da construção civil e em frigoríficos da região. “Eles aprendem o idioma mais rápido que as mulheres. Elas ficam mais restritas à convivência nas comunidades. Resgatamos pessoas em São Paulo que eram submetidas a trabalhos escravos nas indústrias têxteis, por exemplo”.

Muitos dos estrangeiros possuem ensino superior. “Em Toledo, atendemos refugiados que são formados em direito, temos contadores, enfermeiras, aeromoça… O problema é que a maioria não consegue exercer suas profissões e acaba se encaixando em outras funções”, explica.

Convivência e intercâmbio cultural: porque o mundo é uma casa só

Além de todo o trabalho de assistência social, a Embaixada Solidária de Toledo tem um importante papel social, que é a valorização da cultura. “Eles são ótimos pintores, entalhadores, mas ainda não fazem muito artesanato. Não demonstram a arte porque chegam tímidos, temerosos… Queremos mostrar que eles podem, sim, cantar suas músicas, mostrar suas danças. Estamos organizando um estúdio de comunicação solidária na sede da Embaixada, justamente para desenvolver isso”, revela a jornalista Edna Nunes.

Outro desejo da fundadora da Embaixada é romper a diferença cultural e aumentar a interação: “Africanos e haitianos são povos muito felizes, honram amizades, são leais. Eles demoram para confiar porque chegam assustados e se deparam com culturas diferentes, mas são dispostos, fazem festas, sabem receber bem os brasileiros, entendem que precisam aceitar nossos costumes, mas querem preservar os deles”.

Segundo ela, o mundo é uma casa só: “Nossa função é fazer essa ponte de integração com muita sensibilidade, permitindo que um aprenda com o outro sem ser através da invisibilidade social, de uma maneira traumática, sem violência e sem preconceito. O mundo é uma casa só”.