Cotidiano

Crítica: The xx se consagra como uma pequena grande banda

RIO – Um dos sucessos mais improváveis dos últimos anos é o do trio inglês The xx. O clima de alta madrugada, o minimalismo instrumental e o torturado romantismo das músicas de seus dois álbuns ? ?xx? (2009) e ?Coexist? (2012) ? passaram longe dos Top 10, mas pegaram em cheio ouvidos sedentos por algo novo, íntimo e um tanto misterioso. E, mais surpreendentemente, as canções traduziram-se à perfeição para o consumo nos grandes palcos. Nesta sexta-feira, a algumas semanas de retornar ao Brasil para show no festival Lollapalooza (em 25 de março), o xx lança ?I see you?, um terceiro álbum que inicia uma outra fase em sua carreira: é a mesma intensidade emocional, só que com mais profundidade, pulsação e cores.

Talvez tenham sido as paisagens ensolaradas da Califórnia, um dos lugares onde o trio gravou o álbum. Talvez a experiência de Jamie xx com seu álbum solo, ?In colour? (2015). Porque o grupo que volta em ?I see you? deixou de lado as capas espartanas e expandiu seu som e suas canções, com liberdade de composição e de arranjos, rumo a um tipo de música mais radiofônica, embora ainda desafiadora e sensual, entre a eletrônica e o rock, como a de um Tears For Fears ou Talk Talk em começo de carreira.

Logo na primeira faixa, ?Dangerous?, o ouvinte percebe que algo mudou para o xx. Há uso evidente de samples (de sopros) e um baixo funk, puxando o grupo para um lado muito mais Beyoncé do que se poderia conceber. A impressão de que Jamie xx (homem dos beats e coprodutor do disco) assumiu o controle da banda só não se justifica porque Romy Madley Croft (guitarra e vocais) e Oliver Sim (baixo e vocais) embarcam por inteiro na viagem. Principalmente Romy, que aproxima do soul a sua versão novo milênio de Tracey Thorn (cantora do Everything But The Girl) e canta coisas como ?dizem que somos perigosos, mas eu não me importo?. The xx – On Hold (Official Video)

?On hold?, primeira faixa do disco que o grupo divulgou, também aponta para caminhos novos. Além de ter uma das mais belas melodias já compostas pelo xx e de ser inesperadamente dançante (com uso inusitado do sample de um vocal do ancestral hit ?I can?t go for that (no can do)?, de Hall & Oates), ela afia o duo vocal de Romy e Oliver, empilha detalhes eletrônicos mas não esquece a guitarra e, enfim, reluz como um daqueles achados pop que levantam o ouvinte da cadeira.

Na mesma veia de ?On hold? está ?I dare you?, talvez a música mais, digamos, comercial (em termos de procedimentos pop dos anos 2010) já feita pelo xx mas, ao mesmo tempo, é cheia de estilo, belezas atemporais e elaboração como canção. Seu cortante relato sobre a descoberta da paixão (?Fui um romântico por muito tempo/tudo o que tinha eram as canções de amor?) é daquelas que lembram o tempo em que o New Order conseguia captar o sentimento de uma geração e traduzir em gemas de pop eletrônico.

E as faixas acima da média não acabam por aí em ?I see you?. Com uma abertura mais próxima do antigo xx, ?A violent noise? evolui para um balé cibernético (e aí se vê o quanto Jamie se sofisticou como produtor), com um belo jogo de chamada e resposta dos cantores. ?Estou muito chapado? Orgulhoso demais? A música está alta demais para que eu a ouça? Agora me vou. Mas cada batida é um ruído violento?, canta Oliver.

O disco tem seus pedaços mais doloridos, solenes, como ?Perfomance? (?Se eu puser um disfarce, você vai achar que está tudo bem??), ?Brave for you? (quase Björk, que Romy dedica aos pais falecidos) e ?Test me?, faixa de encerramento que abre com um piano e vai se construindo em sonoridades e emoções (?Teste-me, veja se quebro / diga-me que desta vez você mudou?). Mas este é, em boa parte, um trabalho para fora, que pode exalar entusiasmo (em ?Say something loving?) ou simplesmente seduzir por seus contornos sonoros (?Lips?, ?Replica?). Raro na consistência que apresenta do começo ao fim, ?I see you? apresenta ao mundo aquela que pode se tornar, em breve, a sua maior pequena banda.

Cotação: Ótimo