Cotidiano

Cecília Palmeiro, ativista: 'Não queremos flores, queremos reflexão'

“Tenho 41 anos e moro em Buenos Aires. Sou fã de literatura, amo a fantasia e acho que o futuro do mundo está na aplicação da criatividade em prol da sociedade. Também sou escritora e instrutora de ioga, estudei na Índia. Adoro me divertir, rir e amo o Brasil. Me considero brasileira.”

Conte algo que não sei.

Faço parte de um grupo contra a violência machista, o Ni una menos (Nem uma a menos). E estamos ajudando a organizar uma greve internacional de mulheres. Nos juntamos a polonesas, que fizeram no ano passado uma greve contra a suspensão da legalidade do aborto, e já temos a adesão de 30 países, como Coreia do Sul e Israel. Será em 8 de março, Dia Internacional da Mulher, que acabou virando uma data comercial. Não queremos flores, queremos reflexão.

Esta não é a primeira greve que vocês organizam…

Pois é. Em 19 de outubro do ano passado, fizemos a primeira greve de mulheres da América Latina. Foi logo após o assassinato brutal de Lucía (Pérez, de 16 anos, violentada e morta no balneário argentino de Mar del Plata, em 15 de outubro). No mesmo dia, houve uma repressão policial muito forte durante o Encontro Nacional de Mulheres, em Rosário. As manifestantes foram atingidas com tiros de borracha no rosto. Decidimos dar um basta na violência contra a mulher. Sem mulheres não há democracia.

Quantas pessoas participaram do protesto?

Fizemos a convocação via Facebook e conseguimos reunir 250 mil manifestantes vestidas de preto, fazendo apitaço diante do Congresso, em Buenos Aires. Em todo o país, foram 1 milhão mobilizadas. As mulheres interromperam a jornada de trabalho por uma hora para protestar.

O Ni una menos surgiu em 2015. Quais as principais conquistas de vocês até hoje?

Somos um grupo de jornalistas, escritoras, poetas, editoras, enfim, profissionais da comunicação, e conseguimos instalar na opinião publica e na mídia o conceito de feminicídio. Não são crimes passionais ou individuais, são crimes sociais, coletivos. O assassinato de mulheres é uma coisa sistemática, em redes, não é isolado.

Segundo a Corte Suprema de Justiça da Argentina, 235 mulheres foram vítimas de feminicídios no país. O que leva alguém a cometer esse crime?

Os feminicidas não são loucos ou doentes, como muitos argumentam. Eles são filhos do patriarcado e acham que têm direito sobre nossas vidas. A violência física contra a mulher assegura o estado da economia.

Como assim?

A ideia de que as mulheres são menos humanas, que não merecem os privilégios que os homens têm, assegura uma divisão equivocada do trabalho e da renda. Diariamente, trabalhamos três horas a mais e ganhamos 30% menos. Nosso serviço doméstico é invisível e desvalorizado. Bancamos com nossos corpos o mundo machista.

É possível reverter isso?

A marcha internacional das mulheres contra o presidente americano Donald Trump, em 21 de janeiro, foi um acontecimento histórico e incrível. Acho que há um antes e depois. Os micromachismos ficaram evidentes e houve uma mudança total na nossa autopercepção. Os homens também passaram a perceber o que eles, mesmo sem querer, fizeram e ainda fazem.

O que acha do trabalho da cartunista Maitena, autora da tirinha “Mulheres alteradas”?

Ela é importantíssima porque consegue, de um jeito divertido e não agressivo, passar uma mensagem feminista para as mulheres do mundo. E para os homens também.