Cotidiano

Bruno Capinan apresenta ?Divina graça? em show no Rio

RIO – Um homem descrito como um deus sensual, malandro e viril emerge da neblina de percussão eletrônica, violão e flauta ? assim começa ?Divina graça?, a faixa que abre e dá nome ao disco de Bruno Capinan. O personagem carrega em si a síntese do álbum ? carregado da divindade humana dos orixás e de canções que soam como cantadas, relatos de encontros fortuitos, paixões de carnaval, flertes gays. Nao é surpreendente que a Bahia ? terra natal do compositor, citada em letra, música e temperatura no disco ? esteja no centro desse universo, que o carioca poderá experimentar ao vivo no show que Capinan faz nesta quarta-feira no Teatro Sérgio Porto, às 21h.

? Entre meus três discos, esse é o mais Bahia. Ele veio de um movimento meu de aproximação da Bahia, no verão de 2016, onde fui aos blocos afro, vivi bastante Salvador ? conta Capinan, que hoje mora em Toronto, onde o disco foi gravado. ? Quando você está na Bahia, você vê os ecos do que o preto construiu ali, isso está muito na sua cara. Eu andava pelas ruas de Salvador pensando nesse disco, em tudo que vivi na infância em Salvador, de ter saído de lá depois. O disco começa com ?Divina graça?, passa pela Bahia (?Saint Salvador? e ?Promessa?, que citam diretamente de cenários da capital baiana), fala do Rio (?Da rua?) e na última faixa sai (?Meridiano?).

‘Vicente’, de Bruno Capinan

Mais que as citações geográficas diretas, o disco traz referências que instauram o verão baiano na sonoridade. Não apenas nos toques de ijexá (?Saint Salvador?) ou samba-de-roda (?Mandinga?) ? mas também num derretimento sensual da Salvador contemporânea em ?Vicente?, cadência e ambiência à la ?Domingas?, de Jorge Ben Jor, na brisa com maresia da Baía de Todos os Santos presente na bossa nova ?Mera mulher?. Uma sonoridade construída a partir de um núcleo bastante enxuto: Capinan, Domenico Lancellotti (que assina a produção, além de tocar bateria, percussão acústica e eletrônica e violão) e Bem Gil (guitarras, violões e flautas numa faixa). Os três sustentam a base sobre a qual foram adicionados instrumentos como trombone, clave e piano Rodhes, de acordo com a proposta de cada faixa, dando dinâmica ao disco ? gravado sem baixo.

? A ideia era que Bruno Di Lullo tocasse baixo no disco, mas quando fomos gravar já sabíamos que não teríamos ele e acabamos decidindo não ter baixista ? explica Capinan. ? A sonoridade nasceu no estúdio. Quando chamei Domenico para produzir eu sabia que ele ia sacar que o disco seria mais radical. Eu queria essa fluidez do Domenico, essa liberdade musical dele. E queria que o Bem simbolizasse a Bahia, porque ele tem isso no violão dele, que ele traz de Cezar Mendes e do pai. E fomos pensando coisas aqui e ali. Em ?Mandinga? quis umas vozes que lembrassem os Tincoãs. E pensei muito em João Gilberto, em Jorge Ben, Caetano e Dorival quando estava compondo.

As composições do disco ? lançado no fim de 2016 ? são todas de Capinan, só ou com parceiros como Bem, Domenico, Luisão Pereira e Rafael Rocha. O espírito sedutor, o fio de desejo que atravessa as letras são movidos pela experiência real do compositor ? e de sua vontade de levá-la ao disco:

? Tem músicas no disco que escrevi de conversas que tive com um cara, com quem falei por 20 minutos e me apaixonei. Teve outra assim, sobre uma paixão rápida que tive em Salvador. O disco tem essa liberdade da minha vida amorosa. É um disco honesto. Ainda quero seduzir algumas criaturas, pegar gente que ainda não peguei. Porque estou no mundo hoje. É como Trudeau (primeiro-ministro do Canadá) disse quando foi perguntado por que seu gabinete era formado metade por homens e metade por mulheres: ?Porque estamos em 2015?. Talvez esse seja o disco mais gay da MPB. Porque é hoje. Não tem ?Amor mais que discreto? (clássico de Johnny Alf que insinua um amor gay). Por que eu tenho que ser discreto hoje?

Apesar do trabalho declaradamente gay desde a capa, Capinan não alinha seu trabalho diretamente ao de outros artistas que estão afirmando a representatividade LGBT ou desafiando fronteiras de gênero em sua música, como Liniker ou Johnny Hooker:

? Essa questão do gênero nunca foi muito definida pra mim, faço parte disso também nesse sentido. Mas minha praia é outra. Não quero ficar seguindo moda, ou ditando moda. Eu quero fazer música. Fiz pelas canções, não pelo manifesto ou pela bandeira. Mas se estiver contribuindo com isso, me sinto honrado.