Cotidiano

Atlas conta a história de destruição da Mata Atlântica

RIO – Quando Cabral desembarcou no Brasil, em 1500, a Mata Atlântica cobria cerca de 1,3 milhão de quilômetros quadrados (km²) do território nacional, indo do litoral entre o que hoje são os estados do Rio Grande do Sul e Piauí, e avançando continente adentro até partes do Mato Grosso do Sul e Goiás. Passados mais de cinco séculos, porém, atualmente restam apenas cerca de 163 mil km², ou pouco mais de 12%, da floresta original, o que faz dela o grande bioma mais devastado da História do país. BIOMAS

Mas engana-se quem acha que tal destruição ficou num obscuro passado em que não existiam preocupações ambientais. Fazendo valer a máxima de que só se preserva aquilo que se conhece, em 1990 a Fundação SOS Mata Atlântica, com a participação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), produziu o primeiro levantamento das áreas remanescentes do bioma no Brasil e, a partir do ano seguinte, em conjunto com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), passou a monitorar sua taxa de desmatamento, com números retroativos a 1985.

E os resultados foram entristecedores. Então, eram destruídos anualmente mais de 100 mil ha de Mata Atlântica. E embora esse ritmo tenha diminuído bastante nos últimos anos, principalmente a partir de 2000, o bioma ainda sofre com a ação humana, como mostra a última edição do Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, divulgado hoje pela Fundação SOS Mata Atlântica e o Inpe. De acordo com o levantamento, entre 2014 e 2015 foram desmatados mais 18.433 hectares (ha), ou 184 km², deste tipo de floresta no país, numa leve alta frente às perdas do período anterior (2013-2014), que chegaram a 18.267 ha.

? A História do Brasil é a história da devastação da Mata Atlântica, com a destruição da floresta para diferentes usos ? destaca Marcia Hirota, diretora-executiva da Fundação SOS Mata Atlântica e uma das coordenadoras do trabalho. ? Quando fizemos o primeiro levantamento, em 1990, identificamos que pouco restava do que havia originalmente de Mata Atlântica. Aí, começamos a fazer o monitoramento destas áreas e vimos que elas ainda eram muito desmatadas. E isso foi algo espantoso, já que imaginávamos que o bioma tinha sido destruído nas décadas do passado e constatamos que na verdade isso é um processo contemporâneo.

Somando todos os levantamentos produzidos pela fundação e o Inpe com dados dos últimos 30 anos, desde 1985 foram desmatados cerca de 1,9 milhão de hectares de Mata Atlântica no Brasil, ou aproximadamente o equivalente ao mesmo número de campos de futebol nas dimensões máximas aceitas pela Fifa (120 x 90 metros). Segundo Marcia, as diferentes metodologias, resoluções e áreas incluídas nos estudos realizados no período não permitem afirmar se houve avanço ou recuo na cobertura de floresta nestes 30 anos, mas é possível constatar que pelo menos em algumas regiões houve uma notável recuperação. Assim, a diretora-executiva da Fundação SOS Mata Atlântica considera que mesmo que o desmatamento zero ainda não seja uma realidade, é hora de focar esforços na regeneração do bioma.

? A área de cobertura pela floresta possivelmente aumentou em algumas regiões, mas decresceu em outras, então não dá para dizer que houve uma recuperação ? diz. ? De qualquer forma, nosso principal desafio hoje é a regeneração das áreas devastadas, principalmente as que são para ser de preservação permanente, como as matas ciliares dos rios. Se a floresta desaparece, as nascentes também desaparecem, e isso é péssimo no contexto das crises hídricas como as que o Rio de Janeiro e outros estados vêm enfrentando. Garantir a proteção dos rios e suas nascentes é fundamental para que tenhamos água para nosso consumo, e isso é algo que está diretamente relacionado com nosso futuro.

PRESERVAÇÃO EM TROCA DE ISENÇÃO

Para isso, Marcia defende mais incentivos para que a própria sociedade participe deste processo, como as chamadas Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs), mecanismo pelo qual donos de terras se comprometem a preservar de forma permanente partes de suas propriedades em troca de isenção do Imposto Territorial Rural e outros benefícios. Neste sentido, ela destaca a expansão das áreas protegidas por RPPNs no estado do Rio, um dos líderes nacionais na criação destas unidades de conservação particulares, com 150 delas abarcando 12,6 mil ha.

? O poder público não pode cuidar sozinho de criar e fiscalizar todas as áreas de proteção ? avalia. ? Precisamos da participação da sociedade nisso, com a população e empresas ajudando no desenvolvimento deste potencial de conservação. Se não ajudarmos, estamos comprometendo os serviços ambientais para as futuras gerações.

Por fim, apesar de expressar otimismo quanto a este futuro, Marcia também está preocupada com alguns retrocessos verificados na última edição do mapa da fundação. Entre eles, um dos mais lamentáveis foi a volta de Minas Gerais à liderança no desmatamento, com mais de 7,7 mil ha devastados entre 2014 e 2015. Neste número estão incluídos os 169 ha destruídos pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco na cidade de Mariana, que responderam por 65% dos 258 ha de Mata Atlântica perdidos pelo município no ano passado.

? A legislação ambiental não existe só para proteger a natureza, a floresta e a biodiversidade, mas também para garantir a segurança das pessoas para que não aconteçam tragédias como esta ? lembra. ? O caso de Mariana deve ficar como um alerta para toda sociedade.