Cotidiano

Aposta de investidores em renda fixa é acertada, dizem analistas

RIO – A turbulência que marcou o primeiro semestre do ano tornou os brasileiros que aplicam em fundos de investimento (ainda) mais conservadores. A maioria correu para aplicações consideradas mais seguras e de prazo mais curto, estratégia que cobrou um preço. Uma reviravolta no mercado há alguns meses — avanço do impeachment, recuperação das commodities e adiamento da alta de juros nos EUA — fez com que muitas ações disparassem na Bolsa de Valores e os títulos de renda fixa de prazos mais longos se apreciassem acima dos seus pares, proporcionando rentabilidade de dois dígitos a tipos de fundos que vinham sendo desprezados pela maioria dos investidores. Mas como ainda falta uma metade para o ano acabar, gestores dizem que ainda dá tempo de aproveitar a tendência, pelo menos no que diz respeito aos títulos.

Os especialistas apostam que a tão aguardada redução da taxa básica de juros, a Selic, está perto de começar. Isso será possível, argumentam, com o arrefecimento da inflação e o avanço da agenda fiscal da nova equipe econômica. A expectativa dos analistas dos bancos, segundo a pesquisa semanal Focus, do Banco Central, é que a taxa básica de juros (Selic) caia de 14,25% para 13%, até dezembro deste ano, e para 11,25% ao fim de 2017. Com essa tendência, o natural é que também caiam os juros pagos pelos novos títulos prefixados (aqueles em que o investidor sabe desde o começo quanto ganhará findo o prazo) e os indexados à inflação (que pagam um juro prefixado, acrescido da inflação do período). Se os novos títulos chegam à praça pagando menos, aqueles emitidos no passado com taxas maiores se tornam mais valiosos, valorizando a carteira dos fundos que investiram nos papéis.

— Para a segunda metade do ano, esse “fechamento” (queda) das taxas de juros dos títulos deve continuar ocorrendo, a despeito de já terem recuado bastante até agora. Os juros reais dos papéis, que chegaram a ser de 7,5%, estão agora na casa dos 6% — afirma Leonardo Uram, gestor de fundos da Guide Investimentos. — O mundo continua com uma inflação muito baixa e, se houver uma melhora na percepção do país, isso vai empurrar ainda mais para baixo as taxas. Quem estiver bem posicionado vai ganhar.

Nesse contexto, Uram cita como boas opções os fundos de renda fixa com exposição a títulos prefixados e, sobretudo, os atrelados à inflação (os títulos Tesouro IPCA). Mas ele lembra que fundos do tipo multimercado (que têm maior liberdade para montar sua carteira, podendo diversificá-la entre variadas classes de ativos) também podem aproveitar esse tipo de movimento.

— É muito comum os fundos multimercados, principalmente os do tipo Macro, aproveitarem rapidamente o movimento de “fechamento” dos juros dos títulos e se beneficiarem. Grandes gestores especializados em fundos multimercados estão se posicionando em Tesouro IPCA (título público atrelado à inflação, antigo NTN-B) , pois esses são papéis interessantes a médio e longo prazos — acrescenta Uram.

FUGA DOS FUNDOS DE AÇÕES

Mas para José Tovar, presidente da ARX Investimentos, os multimercados não são indicados apenas porque os juros vão cair. Segundo ele, a incerteza ainda prevalece nos mercados, e, diante da exposição a tanta volatilidade, a flexibilidade dessa categoria é bem-vinda.

— No cenário internacional, a expectativa de mudanças de juros nos Estados Unidos é uma permanente fonte de volatilidade. Agora, a possível saída do Reino Unido da União Europeia está gerando ansiedade. No Brasil, nem se fala, são tantas mudanças simultâneas! Nesse ambiente, é melhor dar ao gestor maior liberdade para antecipar esses movimentos — disse Tovar, cuja ARX tem R$ 8 bilhões sob gestão, parte considerável dos quais alocada em fundos multimercados. — Os multimercados do tipo Livre são uma boa oportunidade, com possibilidade de operar no exterior.

Os multimercados Livre, aqueles com mandato mais aberto de todos ao gestor, são os mais populares dentro dessa categoria. Os do tipo Macro, citados por Uram, também têm liberdade para escolher os tipos de ativos em sua carteira, mas se comprometem a tomar decisões de acordo com o cenário econômico de médio e longo prazos.

Mesmo recomendando os fundos multimercados, Tovar adverte que a primeira regra a ser respeitada pelo investidor é diversificar sua carteira, sem concentrá-la em apenas um tipo de aplicação.

No ano, até o momento, os investidores fugiram dos fundos de ações, que tiveram resgates líquidos de R$ 5,63 bilhões em 2016 e hoje representam apenas 4,5% da indústria. Esse medo se justifica: afinal, foram três quedas anuais consecutivas do Ibovespa, índice de referência do mercado brasileiro, que fizeram evaporar 29% de sua pontuação entre 2012 e 2015. O problema é que todo o pessimismo do começo do ano, tanto local quanto externo, começou a se dissipar a partir de fevereiro, conforme aumentavam as probabilidades de um impeachment da presidente Dilma Rousseff, os EUA davam sinais de que adiariam a elevação de juros e os preços das commodities se recuperavam. O resultado é que a Bolsa de Valores de São Paulo avançou 25% entre janeiro e maio, alçando alguns tipos de fundos de ação ao rol das melhores aplicações do ano, justamente quando os investidores estavam tirando dinheiro deles.

Os fundos de ações Livre, com maior liberdade para montar a carteira de papéis, rendem 9,43% no ano, segundo dados compilados pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Os fundos que investem em apenas uma ação (Mono Ação) acumulam rendimento de 21,06% este ano, em grande parte por causa da recuperação da Petrobras.

Agora, talvez, seja tarde para aproveitar essa oportunidade.

— Olhando para frente, parece que o ganho vai vir mesmo do mercado de renda fixa. A Bolsa brasileira tem, é claro, espaço para subir, mas os juros ainda estão muito altos. Será difícil — observa Luiz Eduardo Portella, sócio-gestor do Modal Asset Management.

Leonardo Uram, da Guide, reforça que o valor dos papéis na Bolsa já não pode ser considerado baixo e que a economia da China continua sendo motivo de preocupação para quem investe em renda variável.

NO ANO, CRESCIMENTO DE R$ 32 BILHÕES

Em paralelo, os juros futuros despencavam com a perspectiva de que uma mudança de governo levaria à arrumação da economia. Um exemplo: o contrato DI com vencimento em 2021 chegou a 16,8% ao ano em janeiro, mas caiu a 12,13% em maio. Como os juros dos títulos públicos acompanham o movimento dos DIs, suas taxas começaram a cair, valorizando fundos com portfólio repleto de títulos emitidos a taxas maiores.

Nesse caso, os investidores estavam caminhando para a direção correta (a renda fixa), só que fazendo uma aposta tímida demais para aproveitar plenamente os ganhos. Isso porque, enquanto os títulos com prazo maior absorvem mais intensamente a valorização com a queda dos juros, os aplicadores estavam investindo em fundos com estratégia de prazo menor, um indício de conservadorismo.

Até 13 de junho (último número disponível), os fundos de renda fixa cresceram R$ 32,2 bilhões no ano. Só que praticamente toda a captação se deu por meio de fundos do tipo Duração Baixa Grau de Investimento (antigos fundos Referenciados DI, que, aliás, perdem retorno quando a Selic cai) e Duração Baixa Soberano, ambos focados no curto prazo. Eles rendem no ano, respectivamente, 6,04% e 5,98%.

Enquanto isso, dois tipos de fundo de renda fixa com estratégia de longo prazo estão sofrendo resgates ou tendo captação insignificante, embora rendam muito mais ao ano. O Duração Alta Soberano rende 13,51%, enquanto o Duração Alta Grau de Investimento entrega 8,96%.