Cotidiano

Análise: aposentadoria de Aretha Franklin não é ponto final

People-Aretha FranklinRIO – O anúncio de aposentadoria de Aretha Franklin não foi exatamente uma surpresa. Apesar de se manter lançando discos nos últimos tempos (num ritmo lento, mas não anormal para artistas de sua geração), sua agenda de shows sofreu um baque em 2010. Bastante ativa nos palcos até então, ela reduziu bastante sua frequência de apresentações ao vivo a partir daquele ano, quando sofreu uma cirurgia abdominal de emergência. Ou seja, a interrupçaõ anunciada agora é uma conclusão natural desse movimento – de priorizar a saúde e a vida familiar, aos 74 anos, frente à rotina exaustiva das turnês.

A aposentadoria não embaça em nada sua presença na música contemporânea. Sua obra mais relevante – lançada entre a segunda metade dos anos 1960 e o início dos anos 1980 – reservou a ela o reconhecimento de ser a primeira mulher do Rock and Roll Hall of Fame e ter ganho oito Grammys consecutivos, entre 1968 e 1975. Além disso, sua influência é inegável no trabalho de todos os artistas, especialmente as cantoras, que trafegam pelas trilhas do soul e do r&b e do soul, de Beyoncé a Amy Winehouse, de Janelle Monáe a Adele. Uma ascendência que deve ser reaquecida e ficar mais evidente com o lançamento do disco que ela prepara com Stevie Wonder para este ano – que não deve ser seu último, já que, na entrevista em que anunciou sua parada, ela marcou que sua aposentadoria é dos palcos, não dos estúdios.

Além da força como referência, seus próprios discos mais recentes mostram que Aretha ainda é claramente uma cantora a ser ouvida – a despeito de sua voz ter perdido algo da potência dos seus grandes discos. Prova dessa importância é “Aretha Franklin sings the great diva classics”, de 2014, o último a ser lançado. O álbum tem produtores como André 3000, Babyface e Clive Davis (que trabalhou com a artista em sua fase na Arista Records, entre 1980 e 2008, período em ela fez movimentos de renovação de sua música). Nele, Aretha deu sua interpretação para clássicos de artistas como Gloria Gaynor, Destiny’s Child, Alicia Keys, Barbara Streisand e Supremes, deixando evidente sua capacidade de dialogar com clássicos de diferentes gerações.

Enfim, a aposentadoria de Aretha dos palcos está longe de ser um ponto final na presença de sua música no mundo. Numa época repleta de jovens cantores cujo talento se esvai em exibicionismos vocais vazios (fenômeno nos Estados Unidos, no Brasil, em toda parte), de artistas que entenderam errado as lições dos mestres do r&b, o canto de Aretha é cada vez mais fundamental como horizonte.