Cotidiano

?A praia é um cinema transcendental?

Conte algo que não sei.

A ideia é um pouco abstrata, mas, antes de irmos para o futuro temos que voltar ao passado, porque guardamos essas imagens. Sempre que a gente reflete nossas ideias e imagens, elas estão sob a luz do passado. Apenas quando agimos nos engajamos com o presente e o futuro. É voltar ao passado para ajudar o futuro. No filme ?Os 12 macacos?, de Terry Gillian, há uma frase linda: ?Do passado vem o resgate do futuro.?

O título de sua exposição é ?Imagem e lembrança?. Por que esse tema?

É um termo que o filósofo francês Henri Bergson, do século XIX, criou. Uma maneira de distinguir os dois tipos de memória: a automática, que é a do reflexo, desde aprender a andar de bicicleta até decorar um poema. E a memória pura, que é a imagem, as lembranças que vamos acumulando.

Um dos destaques de seu trabalho é a série ?Cinemas de Copacabana?, que remete a uma época glamourosa. O cinema o influenciou?

São estudos e ensaios de um filme de 35mm que quero fazer. O cinema mudou nossa ideia de imagem, mas também a ideia de espaço e tempo, e o que acho mais interessante é que ele influencia a maneira como lembramos das coisas e como contamos essas coisas.

Quantos cinemas existiam em Copacabana?

São 23 locações. Hoje, só dois ainda existem, o Roxy e o Joia. Fiz fotos atuais de todas essas locações. Onde era o Rian, hoje há um hotel. As fotos são atuais e, com um arquivo, a pessoa vai poder manusear a foto e terá as informações históricas. Você vai ter que capturar a projeção do passado no presente. Quero resgatar a ideia de como era para as pessoas irem ao cinema pela primeira vez, uma coisa religiosa. Antigamente, os cinemas eram verdadeiros templos, lindos.

Como sentir essa presença ausente?

Existe uma relação intrínseca entre Copacabana e a história do cinema. Quero mostrar que a cultura que os cinemas trouxeram ainda ecoa nesses lugares, ainda ajuda a formular a maneira de pensar das pessoas. São peças de um quebra-cabeça. Por exemplo, há uma vitrine baseada em uma que ainda existe no Cine Condor, mas que foi coberta pelos adesivos da Casa&Video, para dar a ideia da presença ausente do cinema. Creio que tento desenhar uma silhueta da cultura da imagem e do movimento pré-internet.

Essa cultura do cinema faz parte do seu passado e do seu presente?

Eu ia praticamente todos os dias a esses cinemas, era barato. É como (Ernest) Hemingway dizia: ?Escreva o que você conhece.? Então, meus trabalhos têm um pontinho autobiográfico.

Por que incluiu o som da Praia de Copacabana na mostra?

Achei interessante essa relação de contraste entre ir à praia ou ir ao cinema. Na minha época havia muito isso, hoje talvez haja menos. Os cinemas mais antigos eram lindos e competiam com cassinos e hotéis, e havia as matinês. No Rian, que ficava na Avenida Atlântica, espelhos enormes refletiam a praia. A praia é como um cinema transcendental, onde você faz uma reflexão na paisagem, enquanto no cinema você é absorvido por uma paisagem projetada vinda de outro lugar. É um escapismo diferente.