A professora Subrena Smith, do departamento de Filosofia da Universidade de New Hampshire, nos EUA, escreveu um artigo na revista da instituição indicando quatro razões para, segundo ela, explicar porque os alunos de cursos científicos — como engenharia, tecnologia, ciência da computação e matemática — consideram que a filosofia é uma disciplina menos importante e que não deveria se debruçar sobre a ciência em si.
O assunto voltou à tona há dois meses, quando o presidente Jair Bolsonaro afirmou que o Ministério da Educação (MEC) estava planejando cortar investimentos em cursos de Filosofia e Sociologia no país para remanejar os recursos para “áreas que gerem retorno imediato ao contribuinte, como Veterinária, Engenharia e Medicina”.
“A função do governo é respeitar o dinheiro do contribuinte, ensinando para os jovens a leitura, escrita e a fazer conta e depois um ofício que gere renda para a pessoa e bem-estar para a família, que melhore a sociedade em sua volta”, escreveu Jair Bolsonaro em sua rede social. Após as declarações, ele lidou com a pior crise desde que assumiu o governo, com dois protestos em várias cidades do país na metade e no final de maio.
O primeiro motivo dado por Smith é o fato das distinções feitas pelos departamentos universitários contemporâneos não significarem que a realidade também é separada da mesma forma. “Alguns dos assuntos que hoje são rotulados como ‘ciência’ antes se localizavam em categorias diferentes. A física, a mais segura das ciências, era antes da competência da ‘filosofia natural’. E a música já esteve em casa na faculdade de matemática”, escreveu.
O segundo argumento é que, ao contrário do que muitos pensam, a filosofia colabora materialmente para o progresso da vida tanto quanto a ciência. Isto é, se a ciência ou a tecnologia conseguem produzir inovações e solucionar problemas do cotidiano — como a descoberta de vacinas, os avanços em aparelhos eletrônicos, o manuseio de drogas para doenças ou para a agricultura –, elas sempre se amparam em avanços anteriores que, em muitos casos são filosóficos.
Assim, “os experimentos de pensamentos filosóficos de Albert Einstein tornaram possível a missão espacial Cassini. A lógica de Aristóteles é a base para a ciência da computação, que nos deu laptops e smartphones. E o trabalho dos filósofos na questão corpo-mente preparou o terreno para o surgimento da neuropsicologia e, portanto, a tecnologia de imagem do cérebro. A filosofia sempre esteve trabalhando em silêncio nos bastidores da ciência”, diz a professora.
Um terceiro argumento para desconstruir a ideia de que a filosofia é desnecessária e não faz parte daquelas áreas de estudo “que geram retorno ao contribuinte” é que o pensamento filosófico permite estabelecer ou descobrir os vieses que estão presentes em toda a análise da realidade. Defensores do argumento de que a filosofia é “ideológica” ou que não é “objetiva” como a prática científica não levam em conta de que, em qualquer visão do mundo real, há um filtro entre o observador e o que é observado. “Todos nós somos ‘enviesados’ e nossos vieses alimentam o trabalho criativo da ciência”, afirma.
Por último, a professora defende que a filosofia pode ajudar a prática da ciência a entender porque determinados objetos são selecionados para estudos ou classificados como mais relevantes do que outros, e assim, porque há fatos considerados mais importantes do que outros — observações que fazem parte também da própria materialidade da vida.
“Nossos colegas cientistas deveriam continuar a ensinar os fundamentos da ciência, mas eles podem ajudar ao deixar claro a seus estudantes que a ciência transborda com importantes questões conceituais, interpretativas, metodológicas e éticas que filósofos estão excepcionalmente posicionados para abordar, e que, longe de serem irrelevantes para a ciência, assuntos filosóficos habitam no seu âmago”, finaliza Smith.