SÃO PAULO – Nem a miss bumbum 2017 Erika Canela teve licença para exibir seu principal atributo no Anhembi, na primeira noite de desfiles das escolas de samba do grupo especial. Passista da Unidos de Vila Maria, que emocionou a avenida com o samba enredo sobre os 300 anos da descoberta da imagem de Nossa Senhora Aparecida, Erika foi à passarela do samba de calça. Para se adequar aos preceitos religiosos, a Vila Maria evitou a nudez e aboliu erotismos. Também dispensou a tradicional figura da “rainha de bateria”. Para a escola, rainha só a própria Nossa Senhora.
Logo na abertura do desfile, a ala das baianas enchia os olhos dos foliões, com mulheres cobertas com o manto azul e a coroa dourada da santa. A estratégica paradinha da bateria fez ecoar pela passarela o refrão “ó senhora, ó senhora”. Era como se todo o Anhembi estivesse em oração. Como exemplo dos milagres da padroeira do Brasil, a escola trouxe uma passista com perna mecânica para sambar. Ao final da participação, integrantes entregavam rosas ao público. A Vila Maria recebeu a benção da Igreja Católica, historicamente refratária à utilização de seus símbolos pelos carnavalescos e terminou seu desfile, luxuoso e sem falhas, como uma das favoritas a faturar o título de campeã.
Se a Vila Maria se esquivou de polêmicas e da nudez, a Unidos do Tucuruvi instalou o debate na passarela. Com o samba-enredo “Eu sou a arte: meu palco é a rua”, a escola homenageou grafiteiros e pichadores da capital paulista. Corpos de mulheres nuas viraram telas para pichações, que também estavam presentes nos carros alegóricos. O tema tornou-se explosivo depois que, recém-empossado, o prefeito João Doria mandou apagar grafites dos muros da cidade e declarou guerra à pixação. O assunto foi escolhido como mote pela escola ainda em 2016, antes que entrasse na agenda política de São Paulo.
– Os grafiteiros eu aplaudo, os pichadores, não! – afirmou Doria, que foi embora do Anhembi antes que a Tucuruvi desfilasse. O prefeito deixou de ver a mistura de samba com arte de rua apresentado pela agremiação. Monociclo, trapezistas, bailarina pendurada pelos cabelos, motociclistas no Globo da Morte eram algumas das atrações da Tucuruvi.
A Tom Maior, vice-campeã do grupo de acesso no ano passado, conseguiu roubar do tradicional bloco Galo da Madrugada, no Recife, a cantora Elba Ramalho. Elba desfilou carregada em um andor enquanto a escola toda sambava em sua homenagem.
– Recife eu tenho há muitos e ainda terei por muitos outros, mas isso é algo único, eu tinha que vir. Estou muito emocionada – disse, ainda na concentração, com dificuldade para conter as lágrimas.
Embora os integrantes da escolas tivessem o samba bem decorado, a apresentação da escola teve ao menos uma falha grave. A cabeça de uma escultura de cavalo, acoplado a um dos carros alegóricos, desmontou e atravessou o Anhembi pendente. A agremiação também pode perder pontos na evolução, já que o segundo carro enguiçou no momento de entrar.
A Mocidade Alegre fez uma homenagem a si mesma, pelos 50 anos da agremiação. O samba enredo, no entanto, não empolgou o público. Os carros Alegóricos e fantasias, porém, tinham acabamento impecável.
Quarta escola a se apresentar, a Acadêmicos do Tatuapé, vice-campeã do ano passado, levantou o público com suas longas paradinhas da bateria. O samba enredo “Mãe África” foi rapidamente assimilado pelas arquibancadas. A fina garoa que começou no fim da passagem da Tatuapé não ofuscou o brilho da escola.
A Gaviões da Fiel pintou de preto e branco as arquibancadas. Antes da entrada da escola, um integrante distribuiu bandeiras à plateia. A Gaviões trouxe carros grandiosos ao desfile, com muitos efeitos especiais, para contar a história dos migrantes que ganharam a vida em São Paulo. No abre-alas, o gavião símbolo da escola abria as asas sobre o Anhembi. A agremiação, no entanto, apresentou uma série de problemas com suas fantasias. Uma passista destaque de solo chegou a arrumar o enfeite de penas das costas em frente aos jurados desse quesito e outra destaque de carro alegórico teve problemas nos calçados e passou parte do desfile sentada no chão da alegoria.
A chuva ameaçou atrapalhar o espetáculo, mas parou uma hora antes da entrada da primeira escola. As arquibancadas demoraram a encher, mas pouco depois da meia-noite já estavam bastante ocupadas. Havia previsão de mais chuva no fim da madrugada, mas amanheceu com sol entre nuvens para iluminar a última escola da noite: a Águia de Ouro.
Ao completar 40 anos, a Águia decidiu homenagear os animais de estimação, reais ou animados. Uma ala inteira vestida de cachorro passou pela avenida rolando. As baianas vieram de Cruella, a vilã de 101 dálmatas. São Francisco foi lembrado como o santo protetor dos pets. O desfile das escolas terminou sem incidentes.