BRASÍLIA – O Tribunal de Contas da União (TCU) manteve nesta quarta-feira decisão tomada no ano passado determinando que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) cobre do fundo de previdência de seus funcionários a devolução de R$ 921,2 milhões. Além disso, determinou o envio de uma cópia do caso para o Ministério Público Federal (MPF) e para a Polícia Federal (PF) a fim de que possam tomar as medidas que acharem mais adequadas. Segundo o ministro Walton Alencar, relator do caso, a transferência dos recursos para o fundo “parece assumir todas as feições” do crime de peculato, quando um funcionário público tira proveito indevido em razão do cargo que ocupa.
Os recursos foram repassados pelo banco à Fundação de Assistência e Previdência Social (Fapes) entre 2009 e 2010, sem a contrapartida de uma contribuição dos funcionários do BNDES. Alencar classificou as transferências de inconstitucionais, ilegais e imorais. A primeira decisão contrária ao BNDES foi tomada em 28 de outubro de 2015, relatada pelo ministro Augusto Sherman. O banco e a Fapes pediram que o caso fosse examinado novamente. Coube ao ministro Alencar relatar a nova decisão, corroborando as conclusões de Sherman.
O BNDES fez três aportes unilaterais, ou seja, sem a contrapartida dos beneficiários. O maior, no valor de R$ 395,3 milhões, ocorreu em junho de 2009. O segundo, de R$ 11,5 milhões, foi em julho de 2010. O último, de R$ 40,9 milhões, foi feito um mês depois. Em valores da época, totalizaram R$ 447,7 milhões. Corrigida pela inflação, a cifra chega a R$ 921,2 milhões.
‘EXEMPLO DE PATRIMONIALISMO’
Segundo o TCU, as transferências foram justificadas pelo banco como contribuições extraordinárias para corrigir disparidades nos planos de cargos e salários. De acordo com o BNDES, elas não tinham por objetivo cobrir déficits financeiros ou evitar resultados negativos provocados pelo crescimento de benefícios dos funcionários da instituição financeira. O TCU discordou.
“Os argumentos trazidos pela defesa são inteiramente improcedentes. O BNDES, por meio de atos de seus dirigentes, fundado em ‘pareceres’, praticou o mais lídimo exemplo de patrimonialismo, caracterizado pelo desvio e apropriação do patrimônio público em benefício do grupo estatutariamente encarregado de sua gestão e dos demais empregados da entidade e beneficiários do seu fundo de previdência complementar”, escreveu o ministro Walton Alencar, sendo acompanhado pelos demais ministros.
Em outro ponto, Alencar escreveu que o BNDES se esforça inutilmente em justificar os aportes. “Lamentável a tentativa. O BNDES, para justificar sua conduta irregular e penalmente ilícita, tenta retornar aos tempos da balbúrdia previdenciária”, disse o ministro.
O TCU entendeu que os repasses violaram o artigo 202 da Constituição. Entre outras coisas, ele diz que “é vedado o aporte de recursos a entidade de previdência privada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, suas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e outras entidades públicas, salvo na qualidade de patrocinador, situação na qual, em hipótese alguma, sua contribuição normal poderá exceder a do segurado”. Em outras palavras, o BNDES poderia fazer o repasse, mas desde que houvesse uma contrapartida dos funcionários em valor igual ou superior.
Alencar também fez críticas aos salários pagos pelo banco:
“No caso concreto, aliás, constitui o BNDES entidade estatal, com mais de dois mil servidores, cujos níveis de remuneração colocam-se em patamar sem paradigma em todo o mundo civilizado. A situação de remuneração dos servidores do BNDES deve ser objeto de particular apuração pelo TCU, em processo específico de auditoria, uma vez que está a discrepar inteiramente de quaisquer padrões de moralidade da Administração Pública Federal, uma vez que, a pretexto de a entidade não receber verbas públicas, poderia praticar qualquer política remuneratória que entendesse conveniente, para a totalidade de seus servidores. Transferem-se vantagens que seriam específicas de uma leva muito pequena de dirigentes, de excepcional capacitação, para todos os empregados da empresa pública.”
O caso chegou ao tribunal por meio de representação apresentada por servidores da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc). Eles argumentaram que os aportes do BNDES foram feitos sem a correspondente contrapartida dos funcionários do banco.
Em outubro, o TCU também já tinha determinado que o banco deixasse de fazer novos aportes e contribuições sem a contrapartida dos beneficiários. Além disso, deu um prazo de 90 dias para que o BNDES apresentasse plano de ação para obter o ressarcimento, em valores atualizados, da quantia devida. A devolução do dinheiro deveria ocorrer em até 36 meses.
Antes do julgamento desta quarta-feira, o voto de Alencar foi vazado. O caso foi revelado pela coluna “Radar”, da Revista Veja, e confirmado pelo TCU. Não houve ainda manifestação do tribunal sobre o incidente.