SÃO PAULO – A imagem de 46 anos atrás ressoa na memória da jornalista Rose Nogueira, de 70 anos. Na fotografia, a militante Dilma Rousseff, aos 22 anos, está diante de juízes militares, que cobrem o rosto na iminência do registro. Hoje, quando Dilma estiver diante dos senadores que a julgarão no processo de impeachment, para Rose – que assistirá a tudo pela TV – será como se a colega estivesse novamente perante os algozes da ditadura.
Rose e Dilma dividiram por alguns meses a ala feminina do Presídio Tiradentes, na capital paulista. No local, conhecido como a Torre das Donzelas, ficavam as mulheres acusadas de pertencer a organizações de esquerda que combatiam o regime militar. Rose integrava a Ação Libertadora Nacional (ALN) e Dilma, a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares).
– Eu estou com o coração na boca. Em situação parecida, Getúlio se matou – disse Rose, em referência ao suicídio do presidente Vargas, em 1954, em meio a tentativas de apeá-lo do poder.
Sem nutrirem amizade próxima, as ex-companheiras de prisão da presidente se sentem tão íntimas dela quanto foram na juventude. A mesma rede de solidariedade que as fazia tratar das feridas de tortura uma das outras, compartilhar a comida e até ler simultaneamente o mesmo livro, página a página, foi reativada. Quatro das mulheres encarceradas com Dilma ouvidas pelo GLOBO se aproximaram da presidente no momento de crise, dividiram com ela a mesa de jantar no Alvorada, voltaram a gritar em passeatas e até organizaram uma vaquinha online, que arrecadou R$800 mil, para custear viagens da presidente afastada.
– Quando chegava uma companheira da tortura, nós fazíamos uma roda em volta dela, a abraçávamos. Essa rede nunca se quebrou. E agora a acionamos de novo, porque para mim, esse processo todo equivale à tortura, estão mais uma vez tentando dobrar a dignidade dela – afirma a médica Guiomar Lopes, de 72 anos, ex-militante da ALN.
Se o apoio é incondicional, ele não é acrítico.
– Não se pode ignorar a crise econômica. Houve equívocos? Houve. De várias ordens. E se deve debruçar sobre eles. As desonerações de impostos, por exemplo, foram uma questão. Mas no começo do segundo mandato houve uma tentativa de correção de rumos e deixaram a presidente falando sozinha – afirma a ex-procuradora do estado de São Paulo Cida Costa, de 70 anos, que acompanhará o julgamento pela televisão.
Aos 76 anos, a fotógrafa Nair Benedicto optou por se enfiar no trabalho a ver a “mulher íntegra” que conheceu na cadeia ser cassada por “pessoas comprometidas até o fio dos cabelos”. Em meio às emoções das circunstâncias, as parceiras de quatro décadas criticam os “traidores” de Dilma. Referem-se a correligionários petistas, antigos aliados e mesmo ex-ministros da presidente que agora viram as costas à ela e prometem votar pela sua cassação. Para aqueles que militavam contra a ditadura, a traição era um crime hediondo. Para escapar de delatar companheiros, depois de sofrer todo o tipo de sevícias nos porões da ditadura, Guiomar, que havia sido levada ao hospital dada a gravidade dos ferimentos, se jogou do quarto andar do prédio. Sobreviveu, sem nunca delatar ninguém. De algum modo, ela e as demais companheiras são agora traídas pela história.
– Quando estávamos presas, pensar em liberdade já era um sonho incrível. Nunca imaginei que Dilma chegasse a ser presidente. E, quando a vi subindo a rampa do Planalto, cheia de orgulho, jamais poderia imaginar que ela seria tirada do poder dessa maneira – resume Cida.