Cotidiano

Ricardo Araújo Pereira vence Gregorio Duvivier e se destaca na Flip

201607012025399325.jpgPARATY – Demorou um pouco até o público da mesa “Mixórdias de temáticas”, a penúltima desta sexta-feira de Flip, entender que a estrela não era o mediador, o ator Gregorio Duvivier. O integrante do Porta dos Fundos foi muito mais aplaudido (com direito a gritinhos e tudo) do que os convidados da noite, a roteirista e escritora paulistana Tati Bernardi e o humorista português Ricardo Araújo Pereira (spoiler: ele virou o jogo e já pode ser apontado como destaque da Flip). Quando deu início à mesa com “primeiramente, fora Temer”, então, ganhou o público de vez.

– Nunca me chamaram para moderar nada, e deve ser por isso, porque o moderador deve ser moderado, o que eu não sou – brincou Gregorio, que preparou divertidas descrições dos convidados (para, mais uma vez, delírio do público).

Tati, “sem voz de tanto gritar ‘fora, Temer'”, ou coisa do tipo, leu um trecho de seu “Depois a louca sou eu” (Companhia das Letras), arrancando algumas risadas da plateia (mas menos que o mediador popstar). Ao apresentar Ricardo, que lança “A doença, o sofrimento e a morte entram num bar” (Tinta da China Brasil), Gregorio lamentou a unilateralidade das relações culturais entre o Brasil e Portugal. Foi quando contaram como descobriram seus talentos para o humor que os dois finalmente começaram a ganhar a plateia.

– Eu descobri que era engraçada porque era feia na escola, então eu conseguia entrar nos grupinhos legais por ser o fator de entretenimento. Eu era toda errada e todo mundo me zoava, em algum momento da adolescência ou eu me matava ou eu faria rir, achei melhor fazer rir – brincou Tati. – Eu virei cota de pobre engraçada em jantar de rico, aquela chatice, eles me convidam para rirem.

Ricardo Araújo Pereira fez de sua fala praticamente um stand-up (exceto pelo fato de ter permanecido sentado). Enquanto o humor dele, que escreve, faz vídeos e organiza antologias do gênero, é cheio de referências (de Freud à Bíblia, de Woody Allen a Umberto Eco), Tati, roteirista de sucessos de bilheteria como “Meu passado me condena”, faz a linha autorreferente. Convocada a falar sobre a subrepresentação feminina no humor (“tem pouco português, mas ainda tem menos mulher”, brincou Gregorio), Tati escapou do debate contando um causo de quando o fato de ser engraçada a atrapalhou num encontro.

– Eu quero que os homens que não me acham sexy porque eu sou engraçada se fodam! – disse ela, explicando sua relação com o humor. – Meu superego quase torce para eu me ferrar para eu ter sobre o que escrever. Caí? Opa! Que bom, já tenho crônica essa semana. Eu sou quase uma carrasca comigo mesma, mas se eu puder encarar a vida com humor, é como se eu me distanciasse da história. Eu tiraria férias da minha cabeça, não mudaria minhas neuroses, ansiedades, aquela lama toda, mas gostaria de tirar férias. Gosto de olhar para o mundo e ver tudo fora do lugar, mas às vezes cansa muito.

‘Deus não ri porque sabe que é eterno’

Ricardo tem uma visão diferente sobre a função de seu ofício.

– Nós somos o único animal que ri, e é também somos o único que tem consciência de que vai morrer. Os animais não riem porque não sabem que vão morrer, e Deus não ri porque sabe que é eterno. No Gênesis há dois ou três momentos para rir, e Deus não ri em nenhum deles. Acho que o riso é a maneira que a gente encontrou de conseguir suportar um mundo demasiado duro e pesado – disse o português, que diminui a importância política do humor – Os humoristas são o orégano da terra. A gente só dá um saborzinho. Alguém lembra da piada que acabou com a escravatura? Que acabou com a Segunda Guerra Mundial?

A política demorou, mas inevitavelmente apareceu, afinal, é tema recorrente dos dois convidados da noite, assumidamente de esquerda.

– Eu fui petista a vida inteira, cresci vendo o Lula fazendo piquete na fábrica onde minha mãe trabalhava, que ficava na frente da minha casa. E minha mãe sempre falava que aquele cara ia mudar o Brasil. É muito difícil desapegar do que a gente amava desde criança. Fiquei muito triste com o que aconteceu, não com as pedaladas, compra de cargos, porque isso todo mundo faz, mas quando começa a sair sujeira daquilo que você achava que ia mudar o mundo é triste. Eu não acho que a Dilma tenha feito um bom governo, mas acho que Temer, Cunha, Aécio é muito pior. Fora, Temer! – disse Tati, entre aplausos efusivos e algumas vaias. – Quem está me vaiando está certo, não é hora para extremos.

– Visto de Portugal, o que acontece no Brasil é uma loucura: a presidente era acusada de uma ilegalidade, o ex-presidente era acusado de uma ilegalidade, o chefe da câmara é acusado de uma ilegalidade? – analisou Ricardo.

– Até o japonês que prendia todo mundo era acusado de ilegalidade – completou Tati.

– O carnaval serve para fazer um intervalinho da loucura, um momento para fingir que o mundo é todo virado ao contrário. Brasil para mim deveria ser o país da quaresma – finalizou Ricardo.