RIO – Pouco mais de 1,6 milhão de brasileiros acordará na próxima quarta-feira com um dinheiro extra na conta. No primeiro lote de restituição do Imposto de Renda (IR) 2016, a Receita Federal depositará um total de R$ 2,65 bilhões para os contribuintes que foram mais ligeiros na hora de ajustar as contas com o Leão e também para idosos, deficientes e portadores de doenças graves. Ninguém vai ficar rico com o dinheiro, é claro, já que o valor médio das restituições desse lote será de R$ 1.549,97. Mas em um país onde 40% da população adulta tem o ?nome sujo?, sua chegada é no mínimo oportuna.
Para especialistas, mesmo que a restituição não permita quitar todos os débitos, deve ser um ponto de partida para uma renegociação. Para aqueles contribuintes que, na contramão das probabilidades, atravessam incólumes a crise, o valor devolvido pela Receita pode ser a chance de dar o troco nos juros elevados que têm apertado o orçamento, por meio de investimentos que acompanham as taxas.
? Dada a situação econômica em que estamos, para quem tem dívida, a prioridade é quitá-la. Se não puder quitá-la inteiramente, o ideal é fazer a quitação parcial. Outra boa opção é pagar antecipadamente alguma dívida que ainda não está em atraso. Nesse caso, deve-se pedir o desconto ? recomendou Lélio Braga Calhau, promotor de Justiça do Consumidor no Ministério Público de Minas Gerais e responsável pelo site Educação Financeira Para Todos.
Simulações do economista Alexandre Espírito Santo, da distribuidora de fundos de investimento Órama, mostram que se desfazer das dívidas com o valor da restituição evitará uma bola de neve nos débitos futuros. Uma dívida de cartão de crédito hoje com o exato valor da restituição média de IR (R$ 1.549,97), por exemplo, se transformará em R$ 8.301,33 daqui a um ano. No cheque especial, o valor saltaria para R$ 5.698,31; no caso de dívida contraída no comércio, iria para R$ 3.055,92. Os cálculos usaram como base as taxas de juros médias de cada linha de crédito apuradas em abril pela Anefac, associação que reúne executivos de finanças.
? Embora a taxa de referência, a Selic, tenha se estabilizado, os juros das linhas de crédito sobem porque a inadimplência também cresceu. Como isso é custo, os bancos e financeiras repassam para o consumidor ? explicou Luiz Rabi, economista da Serasa Experian.
O contingente de brasileiros com dívidas subiu 8,1% em um ano, de 55,5 milhões para 60 milhões em março passado. Em junho de 2012, somavam 50,2 milhões, de acordo com a Serasa Experian. Segundo Rabi, a principal razão para o crescimento não é a Selic estar no maior patamar em dez anos (14,25%), mas o desemprego.
? Embora a inflação já comece a cair e o Banco Central ameace reduzir a Selic, o desemprego deve continuar subindo. Assim, o número de inadimplentes continuará aumentando ? lamentou Rabi.
Segundo a Serasa, o brasileiro tem, em média, quatro dívidas em atraso. Entre as dívidas bancárias (prestações de casa e carro, empréstimos, cheque especial etc.), o valor médio do débito é de R$ 1.300; entre as não-bancárias (água, luz e telefone), deve-se, na média, R$ 370.
RENEGOCIAÇÃO PODE GARANTIR DESCONTO
Mesmo quem não perdeu o emprego tem visto sua renda afetada pela crise e, por consequência, contraiu dívidas. É o caso do executivo de vendas Jorge Henrique Silva, cuja restituição representa entre 5% e 10% do seu salário:
? A restituição vai ajudar porque as vendas caíram até 40%. Quero usá-la para pagar o cartão de crédito e o financiamento do carro.
Para quem vai aceitar o conselho dos especialistas e encerrar dívidas, a recomendação é se desfazer primeiro das dívidas com juros maiores, como rotativo do cartão de crédito e cheque especial. Caso o valor da restituição seja menor que o da dívida, a saída é tentar renegociar. O promotor Lélio Calhau lembrou que, na Defensoria Pública do Rio, há um núcleo de defesa do consumidor (o telefone é 2868-2100, ramais 121 e 307).
Segundo Luiz Rabi, nos feirões de renegociação promovidos pela Serasa, os consumidores conseguem descontos de até 90% junto aos credores. Os especialistas afirmam que, como a inadimplência está pressionando o caixa dos bancos, eles têm se mostrado mais abertos para renegociar valores.
Para os consumidores sem dívida, o alerta é para não usar a restituição como entrada em novo empréstimo ou deixar o dinheiro parado no banco.
? O momento oferece uma excelente oportunidade de investimento pré-fixado (quando a rentabilidade final é conhecida desde o momento da aplicação) ? recomendou Espírito Santo, da Órama, sugerindo que o contribuinte fuja da baixa rentabilidade da poupança e evite o clima instável da Bolsa de Valores. ? Os juros da Selic devem começar a cair em agosto e, caso o economia melhore como esperado, fecharão 2017 em 10,5%. Logo, quem aplicar em prefixado hoje terá taxas extraordinárias que não existirão mais no futuro. É a melhor aplicação hoje.
Simulações de Espírito Santo mostram que, ao investir uma restituição de R$ 1.549,97, o contribuinte conseguirá rentabilidade líquida acima de 20% em um período de dois anos entre as aplicações mais populares. O maior ganho seria o de um CDB pós-fixado, que transformaria o dinheiro em R$ 1.931,47 no período, já descontados os impostos.
Mas o CDB é um título privado e oferece algum risco de calote. Entre os títulos públicos, considerados mais seguros, a melhor opção é o Tesouro IPCA (que rende uma taxa pré-fixada mais a inflação do período) com vencimento em janeiro de 2019. Em dois anos, a aplicação se transformaria em R$ 1.910,58. A caderneta de poupança, por sua vez, devolveria R$ 1.810,67. Alexandre Tavares, de 26 anos, usará a primeira restituição da vida (equivalente à metade do seu salário) para investir.
? Meu primo aplica em um fundo de investimentos, então vou usar a restituição para seguir o seu exemplo ? disse o engenheiro.
* Estagiária sob supervisão de Rennan Setti