BRASÍLIA – A discussão sobre o adiamento da votação do projeto de lei que define condutas de abuso de autoridade gerou um pesado bate boca entre o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que patrocina o projeto, e o senador Cristovam Buarque (PPS-DF), que em declaração dada ao GLOBO insinuou que o peemedebista agia por interesse pessoal por ser alvo de investigação da Operação Lava-jato. Ao dizer que ficou ?chocado? com a insinuação de Cristovam, Renan disse que na primeira delação de que teve notícia, sobre as eleições presidenciais de 2006, havia a acusação de que Cristovam, como candidato a presidente pelo PDT, teria se beneficiado de caixa dois e doação ilegal para sua campanha.
Durante a sessão, na cadeira de presidente, Renan começou comentando que a Comissão de Regulação Constitucional havia adiado para agosto a votação do projeto, o que seria bom para que a proposta amadurecesse melhor na sociedade, os críticos colocassem seus argumentos e, deste debate, se chegasse ao aprimoramento da lei que é de 1965 e precisa ser atualizada.
Há desconfiança que, neste momento, as mudanças propostas visam coibir a ação de investigadores da Polícia Federal ou do Ministério Público em relação à Lava-jato, já que figurões da política estão sob investigação. O projeto do Senado prevê inclusive a prisão de agentes públicos cujas condutas se enquadrem como abuso de autoridade durante o processo. O projeto tem tramitação especial. Se aprovado na Comissão, ele pode ir à Câmara sem passar por votação no plenário do Senado. No entanto, não houve consenso na discussão de hoje.
Ao falar sobre o adiamento, Renan cobrou de Cristovam a declaração sobre seu suposto impedimento para dar andamento ao projeto.
? Isso pessoalmente me chocou. E mais do que me chocar, isso embaça a presidência do Senado. Eu sempre demonstrei agir, senador Cristovam, para não deixar nenhuma dúvida sobre minha atuação como presidente do Senado, sempre me posiciono com a posição majoritária dos senadores ?disse Renan.
Cristovam então explicou ser estranho que o Senado tivesse despertado para a necessidade de mudar a lei de 1965 justamente agora, quando muitos políticos são investigados.
? Todos os dias são algemados centenas de pobres, e o Senado nunca se mostrou preocupado com abusos. O Senado trouxe esse projeto nesse momento. A sensação é que os senadores querem se proteger ? respondeu Cristovam.
Renan reagiu dizendo que não era uma coisa pessoal, ou sobre investigação de A ou B. Aí partiu para cima de Cristovam, dizendo que a primeira delação de que teve conhecimento foi sobre as eleições de 2006, quando Cristovam disputara a presidência pelo PDT e teria sido citado em tal delação.
? Em 2006, quando Vossa Excelência disputou a presidência, lembro aqui que fomos procurados por um tesoureiro do PDT que trazia denúncias e queria que essas denúncias fossem investigadas, denúncias de doação ilegal e recepção não contabilizada ? acusou Renan.
? Como presidente do Senado, se não fez isso, o senhor pecou ? respondeu Cristovam.
? Essas coisas não prescrevem, elas continuam aí ?continuou Renan.
? O senhor devia levar para o Conselho de Ética! Isso é grave! O senhor prevaricou!
? Eu não era presidente do Senado. O senhor precisa ter coerência! ? continuou Renan, exaltado.
? Se chegou uma denúncia aqui e o senhor não investigou, isso se chama prevaricação. O senhor prevaricou. Eu vou pedir que se apure no Conselho de Ética ? rebateu Cristovam.
Diante da reação de Cristovam, Renan simplesmente deu a discussão por encerrada.
? Ordem do Dia! ? anunciou Renan, encerrando o bate boca.
Pelo texto que será apreciado agora só em agosto, 29 artigos redefinem o que se considera condutas de agentes públicos enquadradas como crime de responsabilidade, com penas para cada uma dessas práticas que variam de três meses a cinco anos de prisão, mais multa.
São considerados como abuso de autoridade, por exemplo, mandar prender ou prender alguém fora das hipóteses legais, prender alguém em flagrante e propositadamente não comunicar o fato ao juiz, prender alguém sem se identificar corretamente, obrigar um preso a ser fotografado ou filmado por meios de comunicação social, impedir que um preso fale com o advogado, manter presos de ambos os sexos na mesma cela ou constranger um preso para obter favor sexual.