SÃO PAULO – Ao detalhar nesta quinta-feira as investigações que levaram a deflagrar a Operação Boca Livre S/A, a Polícia Federal apontou desvios de recursos públicos por empresas patrocinadoras de projetos culturais beneficiadas pela Lei Rouanet a fim de realizar eventos institucionais para convidados e marketing corporativo. O desvio, segundo a PF, é de cerca de R$ 25 milhões.
As empresas investigadas financiavam os supostos projetos culturais, que eram subsidiados com os incentivos fiscais e condicionavam o patrocínio à obtenção de vantagens indevidas, como shows, exposições, espetáculos teatrais e publicação de livros. Há exemplos de shows de grandes nomes como Zizi Possi e Roberto Carlos, mas a PF afirmou que não ficou comprovado o envolvimento de nenhum artista no desvio de recursos públicos.
De acordo com a delegada da PF responsável pelas investigações, Melissa Melissa Maximo Pastor, há fortes indicativos de que a maior parte dos patrocinadores tinha conhecimento da fraude. Nesta quinta-feira, foram cumpridos 29 mandados de busca e apreensão expedidos pela 3ª Vara Criminal de São Paulo nos estados de São Paulo e no Paraná.
As empresas alvo foram: Ação Informática, Akzo Nobel, Arno, Atacadão, Banco Concórdia S/A, Banco Fibra, Banco Pine, Biolab, Bradesco, Cipatex, Cisa Trading S/A, Correias Mercurio S/A, Dow Química, Elekeiroz, Fosfértil, Furukawa, Givaldan, Ind. Gráfica Foroni, Magna, Perdigão S/A, Prysmian, Rassini, Termomecânica São Paulo, Têxtil Canatiba Ltda, Volkswagen, Volvo, Wabco, Yokogawa, Esporte Clube Pinheiros.
? Não podemos generalizar. Há fortes indicativos, de acordo com as provas, que a maior parte dos patrocinadores tinha conhecimento. Encontramos alguns contratos de patrocínio onde ficava explícita a cláusula de contrapartida. O que foi constatado é que ela era ora exigida, ora solicitada, ora oferecida. Temos que identificar quem era o responsável. Estamos tratando de grandes empresas, não sabemos até que ponto quem são as pessoas responsáveis. Os mandados de busca nos ajudarão a apontar os indícios de autoria ? explicou.
Além dos shows de grandes artistas, uma outra situação apontada pela PF foi um projeto que deveria tinha como público alvo crianças prioritariamente em formação de personalidade. No entanto, um evento enogastronômico num restaurante luxuoso para público fechado da patrocinadora foi realizado.
O trabalho desta quinta-feira é desdobramento da Operação Boca Livre, deflagrada em junho deste ano, quando a PF cumpriu 14 mandados de prisão e 37 de busca e apreensão. O Grupo Bellini, que atuava há 20 anos no mercado, foi o principal alvo das buscas e, conforme as investigações, o principal operador do esquema. O dono da empresa, Antonio Carlos Bellini Amorim, e os filhos dele, Bruno e Felipe Amorim, que trabalhavam na empresa, foram presos, mas já estão em liberdade.
Em depoimentos, Bruno e Felipe chegaram a dizer que oferecer shows e livros que beneficiam os patrocinadores das iniciativas culturais é ?praxe? do mercado, uma espécie de ?regra velada?. A colaboração deles, no entanto, foi insuficiente, segundo o MPF.
? Houve algumas confissões, mas nós ainda esperamos que, com o agravamento da situação processual deles, possam colaborar ainda mais, porque nós não entendemos como suficientes as contribuições dadas na fase investigatória ? explicou a procuradora da República Karen Louise Kahn.
A ação tem participação do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria Geral da União (CGU) em parceria com a PF e o Ministério Público Federal.
Segundo o chefe da Controladoria Geral da União em São Paulo, Roberto Viegas, a CGU realizou um levantamento em 34 mil projetos e constatou problemas graves em quase 90% deles. Um relatório foi enviado ao Ministério da Cultura com diversas recomendações para evitar novas fraudes.
? O objetivo da lei é excelente, ela é boa. O que precisa ocorrer é uma fiscalização da lei. Porque se os projetos forem fiscalizados enquanto estão sendo executados nós vamos evitar que fraudes ocorram e que recursos públicos sejam desviados ? declarou a delegada da PF.
Em vigor desde 1991, a Lei Rouanet tem como um dos objetivos facilitar o acesso a fontes de cultura. O governo dá a permissão para que empresas ou pessoas físicas descontem valores do imposto devido, que são diretamente transferidos para produtores culturais.