SÃO PAULO. Propina distribuída no posto de gasolina, repassada na paróquia e até escondida
na calcinha. Às vésperas de completar três anos no próximo dia 17, a Operação
Lava-Jato rastreou pelo menos R$ 4,1 bilhões pagos a políticos, partidos e
funcionários públicos ? aponta levantamento do GLOBO. Desse total, R$ 577,8
milhões foram comprovados em ações já julgadas em primeira instância na Justiça
Federal de Paraná e Rio. Outro R$ 1,7 bilhão faz parte de processos e
investigações em andamento, sem sigilo judicial. Para fechar a conta, há mais R$
1,9 bilhão reconhecido pela Odebrecht, que admitiu ser este o valor pago por
subornos apenas no Brasil.
INFOGRÁFICO: O dinheiro rastreado pela Lava-Jato
As investigações mostram que o esquema de corrupção abasteceu políticos e
partidos de variados matizes e ideologias. Entre os já condenados, há nomes como
José Dirceu e André Vargas, do PT; o ex-senador Gim Argello, à época do PTB;
Pedro Corrêa, do PP, e Luiz Argôlo, que foi do PP e do SD. Em todos esses casos,
a Lava-Jato conseguiu verificar de onde saiu o dinheiro e como foi recebido
pelos beneficiários.
Argello, por exemplo, recebeu R$ 7,3 milhões de empreiteiras para que seus
executivos não fossem convocados a depor na CPI da Petrobras. Ele pediu que a
OAS doasse R$ 350 mil diretamente para uma igreja em Taguatinga (DF), que
costumava lhe ajudar a conquistar votos. José Dirceu teve reformas de imóveis
pagas com propina.
ENTREGA DE PROPINA EM POSTO DE GASOLINA BATIZOU OPERAÇÃO
Pedro Corrêa recebeu dinheiro em espécie levado por portador do doleiro
Alberto Youssef, por entregas feitas por um posto de gasolina em Brasília, o
Posto da Torre, que deu origem ao nome Lava-Jato, por ter um sistema de lavagem
de carros ? e de dinheiro.
Ex-deputado do PP e depois do Solidariedade, Luiz Argôlo
era frequentador assíduo do escritório de Youssef, que além de lhe entregar
dinheiro adquiriu bens para o político. Youssef contou que teve de pagar até
mesmo parte de um helicóptero que o então deputado comprou e não conseguiu
quitar. O aparelho acabou sendo colocado em nome de uma das empresas do doleiro,
a GFD.
Das propinas destinadas ao PT, já foram identificados
pagamentos feitos ao marqueteiro João Santana e a quitação de um empréstimo de
R$ 12 milhões feito em nome de um terceiro ? o pecuarista José Carlos Bumlai,
amigo do ex-presidente Lula e já condenado. Para ocultar o pagamento da dívida
com propina, Bumlai simulou ter quitado o valor com sêmen de gado.
COMPRA DE BOLSAS E SAPATOS
Entre os investigados estão figuras importantes do PMDB, como o ex-presidente
da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, acusado de ter recebido US$ 5 milhões em
contas no exterior. A mulher dele, a jornalista Cláudia Cruz, segundo a
acusação, teria usado parte do dinheiro para comprar bolsas, sapatos e roupas em
lojas de grife no exterior. O ex-governador do Rio Sérgio Cabral, preso acusado
de comandar um esquema de propinas que arrecadou mais de R$ 500 milhões, foi
flagrado por receber dinheiro também na forma de joias para a ex-primeira-dama
do estado Adriana Ancelmo, que está presa. Todos negam as acusações
As investigações não atingiram só os partidos da base de
sustentação dos governos mais recentes como PT e PMDB. Há 15 anos longe do
poder, tucanos também aparecem na operação. Uma gravação, que os acusados tentam
anular por considerá-la ilegal, mostra o então senador e presidente do PSDB
Sérgio Guerra, que morreu em 2014, num encontro que teria ocorrido em 2009 com o
então diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, o lobista
Fernando Soares e representantes de empreiteiras. No encontro teria sido
negociado o fim de investigações no Congresso. O tucano chegou a afirmar que
tinha ?horror a CPI?. O partido nega as acusações contra Guerra.
Apontado pelo MPF como chefe do esquema que distribuiu
cargos e dividiu propinas em contratos da Petrobras em troca de apoio político,
o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em ações que somam cerca de R$
15 milhões, como a que envolve um tríplex no Guarujá (SP), o pagamento de
armazenagem do acervo presidencial pela OAS e a compra de um prédio para o
instituto que leva seu nome, além de um apartamento em São Bernardo do Campo
pela Odebrecht. O ex-presidente nega todas as acusações. Sua defesa afirma que
ele é vítima de lawfare ? termo que define o uso do Direito para
deslegitimar ou perseguir um inimigo.
O acordo feito pela Odebrecht, o maior do tipo realizado no Brasil e que
envolve ainda mais dez países, só obteve êxito depois que a Lava-Jato descobriu
detalhes de como funcionava o departamento de propinas da empresa e colheu
dezenas de listas com codinomes.
Um dos delatores da operação, que trabalhou para a empreiteira, contou que o
grupo havia comprado um banco em Antígua, no Caribe, que movimentou cerca de US$
1,6 bilhão em mais de 40 contas. Apesar de ser formalmente instalado no Caribe,
as operações do banco eram feitas em São Paulo.
ATÉ AGORA, 83 CONDENADOS
O rastreamento das propinas ? o mais amplo que se tem notícia no país ? tem
como base principalmente colaborações premiadas. Sem informações como as do
doleiro, que admitiu fazer repasses da Petrobras para o PP, ou a de Pedro
Barusco, ex-gerente da Petrobras que entregou à Lava-Jato o nome de todos os
operadores de propina da estatal, dificilmente as investigações seriam ágeis,
avaliam procuradores da força-tarefa. Até agora, 83 pessoas foram condenadas em
primeira instância. Os acordos de leniência permitiram que a Lava-Jato fosse
desdobrada para outras obras, além da Petrobras.
É o caso das investigações sobre propinas pagas em obras
da usina de Angra 3. Foi a Camargo Corrêa, primeira grande construtora a assinar
acordo de leniência, que forneceu detalhes sobre as comissões ilícitas pagas,
incluindo entre os recebedores o ex-presidente da Eletronuclear Othon Silva.
Também partiram da empreiteira informações sobre desvios nas obras da Ferrovia
Norte-Sul e da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), que deram origem a
operações da Polícia Federal em Goiás e Bahia.
As propinas pagas na construção da Usina de Belo Monte,
de pelo menos R$ 150 milhões, são investigadas devido ao acordo de leniência da
Andrade Gutierrez.
Até agora, 37 pessoas físicas tiveram seus acordos
divulgados. Juntas, se comprometeram a devolver R$ 986,2 milhões, e suas
informações originaram investigações ou consolidaram casos em curso. Nos acordos
de leniência, empresas se comprometeram a pagar R$ 7,1 bilhões.
Muitos dos casos revelados seguem com investigações sigilosas ? a maioria
envolve pessoas com foro privilegiado. Segundo o MPF, se forem considerados
multas, indenizações e recursos que eram mantidos no exterior, já foram
recuperados R$ 10,1 bilhões. Há ainda R$ 3,2 bilhões em bens bloqueados à
disposição da Justiça.
Em nota, o procurador da República Diogo Castor de
Mattos, integrante da força-tarefa Lava-Jato do Ministério Público Federal no
Paraná (MPF-PR), afirmou que os dados reforçam a importância da colaboração
premiada e quanto ela é imprescindível para recuperação de recursos desviados.
?Sem os acordos haveria necessidade de aguardar o trânsito em julgado de uma
condenação, o que pode levar anos, com risco concreto de o processo ser
cancelado pela demora, e os valores desviados devolvidos aos criminosos?,
afirmou Mattos em nota.
A expectativa é que o rastreamento das propinas continue
ainda que não faltem iniciativas no Legislativo para impedir os trabalhos da
operação. No ano passado, parlamentares chegaram a articular a aprovação de uma
proposta que anistiava o caixa 2 nas campanhas.
? O trabalho do MPF sempre foi muito técnico e acredito
que o Supremo Tribunal Federal e a sociedade não irão aceitar tentativas
inconstitucionais de impedir o andamento da apuração e punição dos responsáveis
? afirmou Douglas Fischer, procurador da República.