RIO – Nosso planeta pode ficar insuportavelmente quente mesmo se gases de efeito estufa na atmosfera permanecerem nos níveis atuais, de acordo com a primeira reconstrução das temperaturas da superfície de dois milhões de anos, publicada nesta segunda-feira pela revista científica “Nature”.
“A estabilização nos níveis atuais de gases de efeito estufa já pode comprometer a Terra para um eventual aquecimento total de cinco graus Celsius ao longo dos próximos milênios”, diz o artigo sobre a pesquisa.
O comentário se refere a uma faixa de aquecimento prevista de 3º C a 7º C. Mesmo um aquecimento de 3º C poderia, a longo prazo, desencadear um turbilhão de impactos das mudanças climáticas, incluindo tempestades causadas pela elevação dos mares, ondas de calor mortais e graves inundações, disse o estudo.
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC) disse que as concentrações atmosféricas atuais do principal gás de efeito estufa, o CO2 – pouco mais de 400 partes por milhão (ppm) – podem, durante o próximo século, empurrar as temperaturas médias globais entre 2º C e 2,4º C acima do ponto de referência da era pré-industrial.
O IPCC concluiu que o aquecimento global de 2º C é um limite relativamente seguro para a humanidade para a maioria das regiões. Mas um aumento recente de eventos climáticos extremos levou os líderes mundiais a inscreverem um limite de aquecimento ainda mais rigoroso, “bem abaixo de dois graus” Celsius, no Acordo de Paris, assinado por 195 nações em dezembro.
O fim das camadas de gelo
O planeta já aqueceu quase 1,0º C em relação aos níveis pré-industriais, e dentro de uma década pode registrar um aumento de 1,5º C, disseram cientistas em uma conferência em Oxford na semana passada.
O novo estudo, realizado pela paleoclimatologista Carolyn Snyder, do Programa Interdisciplinar em Meio Ambiente e Recursos da Universidade de Stanford, é o primeiro a reunir um registo contínuo das temperaturas médias da superfície que remonta há dois milhões de anos.
Algumas partes da história climática da Terra foram relativamente fáceis de reconstruir: há um amplo consenso, por exemplo, sobre os níveis de dióxido de carbono, as temperaturas da superfície do mar e o nível do mar de centenas de milhares – às vezes milhões – de anos atrás.
Mas evidências da mudança na temperatura do ar tem sido mais difíceis de encontrar. Carolyn extraiu 20.000 bits de dados a partir de 59 núcleos de sedimentos oceânicos para construir uma linha do tempo de temperatura com intervalos de 1.000 anos – o que um especialista em clima não envolvido no estudo chamou de “uma abordagem original”.
A pesquisadora, então, usou modelos climáticos para inferir tendências mais amplas. O resultado está de acordo com uma ligação bem estabelecida entre a temperatura global e as concentrações de gases de efeito de estufa na atmosfera, especialmente ao longo dos últimos 800.000 anos de idades do gelo cíclicas, que ocorrem a cada cerca de 100.000 anos.
Os novos dados sugerem que uma duplicação dos níveis de CO2 na atmosfera levaria as temperaturas globais a aumentarem 9º C, o que iria derreter as camadas de gelo e elevar os níveis dos mares em dezenas de metros. Tais valores são consideravelmente mais altos do que os previstos na maioria das estimativas.
Pesquisadores não envolvidos no estudo também advertiram que este se baseou em várias premissas que podem vir a ser erradas. Extrapolar as temperaturas da terra com base no que está acontecendo nos oceanos, por exemplo, é um método repleto de incertezas, disseram.