NOVA YORK E RIO ? Somente dois copos de leite. A bebida simples atraiu mais o empresário Eike Batista do que os requintados lagostins com quinoa, filé com gengibre, frango com ervas e as arepas de queijo de cabra. Ele está voltando ao Brasil, num voo da classe executiva da American Airlines de Nova York, para se entregar nesta segunda-feira à Polícia Federal. O desembarque está previsto para as 10h30 no Aeroporto Internacional Tom Jobim, no Rio de Janeiro.
Na classe executiva, Eike foi acompanhado pelo GLOBO a partir da poltrona vizinha à sua na aeronave. Satisfeito com elogios e selfies de admiradores, o ex-homem mais rico do Brasil sequer desfrutou de sua pizza popular, de US$ 10 o pedaço, que costumava comer no aeroporto da cidade americana. Em sua última noite livre Eike Batista não jantou.
O humor do empresário foi mudando desde quando ele chegou ao aeroporto JFK em Nova York até o momento que entrou no voo. De carrancudo, passou a simpático e falante. Ele até deixou de lado um pouco seu celular – um Samsung – que não desgrudava quando entrou na sala de embarque.
Embora tenha dito que não falaria nada sobre a investigação, pois esta “sob Júdice”, Eike deu pistas de como vê os crimes que foi acusado. Mesmo sem citar nomes, disse que o esquema de corrupção dos governos é maior do que se imagina e que não era ele que oferecia carona para governantes em seu avião – os políticos que o pressionavam a fazer isso. Ele afirmou que, em geral, os empresários são vítimas dos políticos corruptos. E disse, com todas as letras, que acredita que não errou.
Eike chegou ao aeroporto de tênis Nike preto com detalhes verdes, camisa brim sobre uma camiseta cinza e com um Blaser preto de camurça, onde exibia um broche dourado que fazia lembrar do sol que era marca de suas empresas quando estava à frente da EBX, seu ex-conglomerado. Talvez graças ao leite, dormiu bem todo o voo. E falou muito sobre o futuro:
– Vou continuar a construir como sempre eu construí coisas no Brasil – disse, ao ser questionado sobre seu futuro, afirmando ser fã da Operação Lava-Jato que cortou sua liberdade.
A palavra mais dita pelo empresário nos momentos antes do voo – quando se recusou a ir para a sala VIP das pessoas com passagem na classe executiva (o que ele diz sempre evitar) -, foi “espetacular”. Assim ele classifica o Brasil, as oportunidades, o futuro mais transparente que surgirá da Lava-Jato. Este futuro, acredita ele, vai facilitar que mais investidores façam coisas “grandiosas” como ele crê ter feito para o país, repetindo outro bordão recorrente em seu dicionário.
– Estas pessoas reconhecem o que eu fiz pelo país. Vou te dar um número: nos últimos 16 anos, em recursos próprios ou de estrangeiros, investimos US$ 40 bilhões no Brasil – disse ele sobre a imensa maioria das abordagens positivas que teve no aeroporto.
Somente uma pessoas o agrediu verbalmente na sala de embarque, chamando-o de corrupto e dizendo que ele ia “dividir uma catuaba selvagem com seu amigo (Sergio) Cabral (ex-governador do Rio) em Bangu”.
– Paciência – reagiu ao ser insultado – Isso e culpa ó… – disse, apontando os dedos para os dois repórteres na sala de embarque, culpando a imprensa.
Outros passageiros, que inclusive tiraram fotos com Eike, disseram que alguns jovens do voo estavam planejando gritar para ele”uh, uh, uh, direto pra Bangu”. Mas o protesto não ocorreu. As pessoas que iam tirar fotos com ele o parabenizavam, afirmavam que ele foi um grande empreendedor e que chegou a se cercar de pessoas ruins.
Eike admitiu que sua prisão vai atrapalhar um dos seus novos planos para voltar a ficar bilionário: uma pasta dental revolucionária. Mas se mostrou sereno e disposto. Horas antes de sua mudança de destino mais radical, debateu política, empreendedorismo, história, governo Donald Trump – vaticinou que as o candidato democrata fosse Joe Biden, o vice de Barack Obama, o partido continuaria no poder americano – e, claro, os problemas do Brasil.
ELE GOSTA DO TRUMP
– O Brasil precisa ser pensado de uma maneira holística. Criar uma refinaria no fim da Baía de Guanabara? Vai tomar no cu, ali foram 30 bilhões pelo ralo, não vale merda – disse, se referindo ao Comperj como exemplo do desperdício nacional, que segundo ele chegou a R$ 1 trilhão em projetos como pontes que levam “nada a lugar nenhum”.
Apesar de discordar de Trump, confessou que gosta do estilo decisivo do empresário. Questionado sobre novas lideranças no Brasil, citou João Dória, o novo prefeito paulistano:
– Ele já tem feito muita coisa, repara. E ele conseguiu o quê, R$ 150 milhões, do nada? É algo importante, ele tem disciplina – disse.
Ele entrou no aeroporto americano correndo e sem responder às perguntas que lhe foram feitas na área de check-in do Terminal 8 e parecia tentar se esconder entre uma pilastra e as cadeiras de engraxates vazias da sala de embarque, demonstrando um pouco de irritação e desconforto. Mas depois se mostrou afável, disponível e solicito, tirando selfies com a horda de brasileiros que chegaram a fazer fila para registrar o momento ao lado do mais famoso procurado pela Justiça brasileira e falando horas a fio com os jornalistas, com um otimismo que não parecia comum a alguém que estava prestes a encontrar o seu pior momento desde o seu ápice como sétimo homem mais rico do mundo.
SONO TRANQUILO
O tom tranquilo se manteve. Por causa do assédio, entrou erroneamente na fila de um outro avião, no portão ao lado, que estava indo para Hong Kong. Quando viu o repórter do GLOBO o seguindo para o portão errado, brincou:
– É aquela história, uma mula seguindo outra mula – disse, rindo.
Eike topou tirar foto para o repórter do GLOBO já em seu assento e avisou que ia dormir durante toda a viagem. Afirmou não ter tomada nenhum calmante e usou apenas a venda dos olhos por causa da claridade da cabine.
– Me deixe dormir – disse ao comissário de bordo que questionou se ele deveria ser acordado para o café da manhã.
O sono de Eike foi marcado pelo silêncio – ele apenas tossiu algumas vezes no meio da viagem. A prisão pode até atrapalhar os planos futuros de Eike, mas nem na véspera isso pareceu lhe tirar o sono.