RIO ? Após quatro anos vasculhando a superfície marciana, o robô Curiosity ainda não encontrou formas de vida no planeta vermelho. Mas, pela primeira vez, o equipamento da agência espacial americana descobriu um depósito sedimentar que, no passado distante, pode ter oferecido as condições ideais para o surgimento da vida como a conhecemos. Em conferência nesta terça-feira, durante o encontro anual da União Geofísica Americana, em San Francisco, na Califórnia, os pesquisadores revelaram a descoberta de boro em Marte, elemento formador do ácido ribonucleico, ou RNA, presente em todas as células vivas na Terra.
? Nenhuma missão anterior a Marte já encontrou boro ? disse Patrick Gasda, pesquisador do Laboratório Nacional Los Alamos. ? Se o boro que encontramos nos veios minerais de sulfato de cálcio forem similares ao que encontramos na Terra, ele pode indicar que o reservatório de água no passado de Marte que formou esses depósitos teria entre 0 e 60 graus Celsius e pH neutro para alcalino.
Dessa forma, disseram os pesquisadores, todas as condições ? temperatura, pH e dissolução de minerais na água ? apontam para um ambiente perfeito para o surgimento e a manutenção de formas de vida microbianas. A descoberta foi realizada no Monte Sharp, uma montanha de sedimentos com cerca de 5 quilômetros de altitude formada no centro da Cratera Gale, onde o Curiosity aterrissou em agosto de 2012. Análises anteriores indicam que a cratera foi preenchida por água em períodos diversos no passado.
Na Terra, o boro é associado com regiões áridas de onde grandes quantidades de água evaporaram, como o Vale da Morte, no deserto de Mojave, na Califórnia. Os pesquisadores especulam que a cratera Gale foi formada quando Marte ainda era úmido, e um lago preencheu a cratera. Com a alteração no clima, o lago desapareceu e a cratera foi preenchida por sedimentos.
Entretanto, as modo como o boro encontrado pelo Curiosity foi depositado ainda levanta debate. Os cientistas consideram ao menos duas possibilidades para a fonte do elemento que a água deixou nos veios minerais: ele pode ser resultado da evaporação de parte do lago que ali existiu e parte do material foi carregado pela água para as fraturas nas rochas, ou mudanças químicas em depósitos de argila afetaram como o boro foi coletado e depositado com o sedimento.
E à medida que o Curiosity se move montanha acima, quantidades maiores de boro estão sendo encontradas, assim como outros ingredientes, como minerais de argila e hematita. Com essas variações, os cientistas pretendem explicar as condições sob as quais os sedimentos foram depositados, e como o movimento da água influenciou a formação das camadas de sedimento e o transporte dos elementos.
E os efeitos desse movimento da água são mais evidentes nos veios minerais, explorados pelo Curiosity. Os veios são formados em fraturas na rocha, que são preenchidas com camadas de sedimentos dissolvidos. E a água, com os elementos dissolvidos, interage com a matriz rochosa que cerca a fratura, alterando a composição química tanto da rocha como da água.
? Existe muita variação na composição em diferentes elevações, nós alcançamos o jackpot ? disse John Grotzinger, da Caltech, em Pasadena, na Califórnia. ? Uma bacia sedimentar como essa é um reator químico. Elementos são rearranjados. Novos minerais são formados e outros, dissolvidos. Os elétrons são redistribuídos. Na Terra, essas reações sustentam a vida.
Ainda não é possível afirmar que Marte abrigou vida, mas as evidências que apontam para uma resposta positiva se tornam cada vez mais claras.