Cotidiano

MPF vê excesso de vantagens à SBM e paralisa acordo de leniência

BRASÍLIA – Uma decisão do Ministério Público Federal (MPF) nesta quinta-feira levou à paralisação do acordo de leniência assinado entre o governo federal e a empresa holandesa SBM Offshore, suspeita de participação num esquema de pagamento de propina. A Câmara de Combate à Corrupção do MPF, que funciona no âmbito da Procuradoria Geral da República (PGR), decidiu não homologar o acordo, por entender que a SBM receberia vantagens excessivas na leniência, sem contribuir para as investigações. O valor envolvido no acordo é de R$ 1,12 bilhão, dinheiro que seria pago pela empresa em benefício principalmente da Petrobras.

Leniência é um instrumento existente para pessoas jurídicas e equivale à delação premiada para pessoas físicas. Na esfera administrativa, os acordos são conduzidos pelo Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle (MTFC) ? a antiga Controladoria Geral da União (CGU). Mais de dez empreiteiras investigadas na Operação Lava-Jato fizeram propostas formais de leniência ao MTFC. O primeiro acordo a ser formalizado não saiu deste universo: a SBM assinou o instrumento com o MTFC, a Advocacia Geral da União (AGU), a Petrobras e o MPF no Rio em 15 de julho, durante a presidência interina de Michel Temer.

O acordo incluía arquivar um inquérito civil público que investiga a SBM, que tem contratos de afretamento de plataformas de petróleo pela Petrobras. Esses arquivamentos são submetidos às câmaras que funcionam no âmbito da PGR. Em reunião nesta quinta, os subprocuradores-gerais da República que integram o colegiado votaram por não homologar o acordo e por não arquivar o inquérito civil. Conforme a decisão, o processo deve retornar ao MPF no Rio, para as mãos de outro procurador da República. O MPF terá de promover adequações no acordo de leniência ou retomar as investigações.

O MTFC confirmou ao GLOBO que, conforme uma cláusula do acordo com a SBM, a leniência só entraria em vigor após homologação da Câmara de Combate à Corrupção. A pasta diz que ainda não foi notificada sobre a decisão do colegiado e que ainda não está decidido o que será feito em relação ao acordo com a SBM. A empresa ainda não depositou o dinheiro acertado, segundo o ministério.

Os subprocuradores que se opuseram à parceria entenderam que não haveria “ressarcimento integral do dano” causado pela SBM. Além disso, a empresa não teria se disposto a colaborar com as investigações. Numa leniência, o empreendimento suspeito precisa fornecer informações novas sobre esquema do qual participou, em troca de benefícios como não ser declarada inidônea e, assim, garantir novos contratos com o poder público. Não houve “razoabilidade e proporcionalidade” entre renúncias e vantagens concedidas à SBM, sustentaram os subprocuradores.

Pelo acordo, ficou acertado que a SBM faria um pagamento em dinheiro de US$ 162,8 milhões, dos quais US$ 149,2 milhões destinados à Petrobras, US$ 6,8 milhões ao MPF e US$ 6,8 milhões ao Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf). O dinheiro destinado aos órgãos de controle se destinaria a “implementação de unidades de processamento informatizado massivo de informações e outros procedimentos a serem utilizados na prevenção e no combate à corrupção”.

O acordo envolve ainda outros US$ 179 milhões em reduções de pagamentos contratuais à SBM. Assim, a leniência envolve um montante de US$ 341,8 milhões (R$ 1,12 bilhão, pela cotação do dólar na ocasião da assinatura). A diminuição dos contratos é referente à “redução de 95% em futuros pagamentos de bônus de performance” relacionados a contratos de afretamento de plataformas de petróleo pela Petrobras.

A Câmara de Combate à Corrupção discordou da destinação de dinheiro para o MPF e para o Coaf. “A efetivação da destinação dos recursos depende de lei e, na sua ausência, não deve ser aceita. A medida tem como efeito colateral positivo afastar o risco moral das negociações e acordos”, argumentou o subprocurador-geral da República Marcelo Muscogliati, coordenador da câmara. Além disso, o acordo propôs quitação integral dos prejuízos, “sem que se tenha cabalmente afastado sua ocorrência e apurado seu montante”, argumentaram os subprocuradores.

O MTFC divulgou nota defendendo a leniência com a SBM. Segundo a pasta, o instrumento atendeu aos requisitos da Lei Anticorrupção. “A SBM já disponibilizou 1 terabyte de informações, onde foi possível identificar outras pessoas envolvidas na infração”, disse na nota.

O acordo “não deu quitação total do dano”, conforme o MTFC. A não efetivação da leniência levaria à continuidade do processo administrativo contra a empresa, o que pode resultar na declaração de inidoneidade, disse a pasta.

Isto, porém, levaria a prejuízos à Petrobras, por conta da rescisão dos contratos. “Esse cenário levará, segundo estudo aprovado pelo Conselho de Administração da Petrobras, à perda da produção de óleo e gás na ordem de 15% entre 2016 e 2020. O prejuízo avaliado é de no mínimo US$ 12,66 bilhões, sem considerar reflexo no preço final do combustível ao consumidor”, citou a nota. “Com a não aprovação do acordo, a Petrobras deixará de receber valor superior a R$ 1 bilhão.”