RIO – Até o próximo sábado, a Caixa Cultural do Rio abriga a mostra A Direção de Arte no Cinema Brasileiro (veja a programação), que traça um panorama da evolução da atividade no audiovisual nacional. Muitas vezes relegada a uma mera categoria técnica ou à decoração de um cenário, a direção de arte (desenho de produção, em inglês) vai muito além disso. Nesta entrevista, a curadora da mostra, Débora Butruce, explica por que a atividade é importante também para a narrativa e a dramaturgia de um filme.
Como surgiu a ideia de fazer essa obra?
Fiz uma dissertação de mestreado sobre direção de arte no cinema brasileiro. Tentei fazer um recorte em termos de linguagem, além de um panorama histórico. Essa ideia ficou na minha cabeça e percebi que renderia uma mostra.
A mostra conta com produções de várias décadas. Como você vê a evolução da direção de arte no cinema?
Falar em “evolução” não é simples, porque o processo nem sempre ia para a frente de uma forma orgânica. O cinema de estúdio dos anos 1950, como o feito pela Vera Cruz, tinha criatividade e grandiosidade. O que houve foi um grau de profissionalização. E só para ficar claro: direção de arte é um conceito amplo. Refere-se a alguém que contribui para a visualidade de um filme, o que inclui o cara do figurino.
A primeira vez que o cinema brasileiro usou o termo “direção de arte” para se referir ao profissional responsável pela área foi em “O beijo da Mulher-Aranha” (1985), de Hector Babenco. O que aconteceu ali?
Até os anos 1980, a atividade era chamada de “cenografia”, às vezes de outras coisas. A mudança não foi nada abrupta, e sim o resultado da uma mudança de mentalidade. A publicidade, por exemplo, já era bastante setorizada e contava com equipes estrangeiras. Entendeu-se que esse profissional (o diretor de arte) contribuía muito para a obra fílmica. O Babenco sabia disso. Houve um amadurecimento na compreensão do que seria a atividade. Cena de ‘O beijo da Mulher-Aranha’
Que filmes se destacam pela direção de arte, na sua opinião?
Vamos por parte. “Uma certa Lucrécia” (1957), de Fernando de Barros. Quem fez a cenografia foi o Pierino Massenzi. Ele foi um gênio. Construiu a cidade de Veneza em estúdio. É muito impressionante. A cenário tinha um acabamento sofisticado, requintado, com soluções simples. Destaco também o Clóvis Bueno (de “O beijo da Mulher-Aranha”). Este tinha um conhecimento totalmente empírico, algo recorrente na atividade: muita gente não tem formação específica na área. Bueno fez “Orfeu” (1999), no qual construiu a favela. Em “O beijo da Mulher-Aranha”, é muito interessante a decoração das celas dos personagens do William Hurt e do Raul Julia reflete as suas personalidades. A mesma coisa acontece em “Carandiru” (2003).
De que maneira a direção de arte é um importante instrumento narrativo?
A direção de arte nasce a partir de elementos imateriais. O diretor de arte o primeiro a transformar as palavras do roteiro em imagem. Sempre em conjunto com outros profissionais, claro. Mias uma vez exemplifico com “O beijo da Mulher-Aranha”. O robi usado pelo personagem do William Hurt usa um robi que concatena muito sobre a sua personalidade. Vira uma verdade daquele personagem. Não poderia ser outra roupa. Nesse sentido, a direção de arte é diferente da fotografia. Esta trabalha sobre algo que já existe. Em “E o vento levou” (1939), há a cena em que a Scarlett O’Hara (Vivien Leigh) vai falar sobre a sua gravidez. Ela cai da escada e perde o bebê (veja no vídeo abaixo). Mesmo antes do acidente, a conjunção de fatores visuais, como a intensidade do vermelho da escada e a sinuosidade do ambiente, já remetem a uma tragédia prestes a acontecer. Cena de ‘E o vento levou’