Cotidiano

Maria Nagawa: 'Sem interação, não temos como nos proteger?

?Tenho 28 anos e venho de Uganda, na África. Sou bacharel em Comércio e tenho
mestrado em Política Econômica Internacional. Atualmente, sou pesquisadora na
área de economias emergentes, incluindo os Brics, e seu efeito no
desenvolvimento econômico de comunidades africanas.?

Conte algo que não sei.

Uganda, sozinha, tem 500 mil refugiados. São poucos os que conseguem chegar
aos países ricos, da União Europeia, que desejam. E, quando isso ocorre, são
recebidos quase sempre com hostilidade.

Por que isso acontece?

A União Europeia paga a países da África e do Oriente Médio para manter
refugiados fora de suas fronteiras. O racismo ainda é um grande problema
mundial. Sei que o mundo não ficará magicamente justo. Mas é dever dos cidadãos
forçarem seus políticos a fazerem a coisa certa.

Isso tem a ver com falta de informação?

Exatamente. O Brasil, por exemplo, mantém viva a cultura africana em vários
aspectos do cotidiano. Mas percebo que, aqui, as pessoas pouco conhecem sobre a
África contemporânea, incluídas aí suas questões sociais e políticas. Talvez, os
brasileiros saibam um pouco mais sobre outros países lusófonos, como Angola e
Moçambique, mas ainda assim não é o bastante.

Você esperava que os brasileiros conhecessem mais sobre o
continente africano?

A conexão entre África e América do Sul é histórica. O Brasil é o país com a
segunda maior população de africanos fora da África e, embora as pessoas não
saibam muito sobre o que ocorre em meu continente, percebo nas palestras que há
realmente um interesse.

Existem muitas similaridades entre Brasil e Uganda?

Sem dúvida, os problemas do Brasil são maiores, muito em função do tamanho de
sua economia. Mas em ambos os países a desigualdade é gritante. Também
convivemos com outros problemas sociais e políticos, embora eles se apresentem
de formas diferentes.

E como eles ocorrem?

Na questão política, Uganda tem o mesmo presidente desde 1986. No Brasil, já
foram dois desde que cheguei aqui, no ano passado. Além disso, temos problemas
clássicos de acesso à educação e à saúde e violência contra a mulher e a
homossexuais. Apesar de tudo isso, acredito que Brasil e Uganda têm bons
exemplos para dar. O acesso à saúde aqui foi ampliado nos últimos anos.

Sobre a África contemporânea, quais são as maiores questões
hoje?

A liderança política e a falta de cooperação. Porque, para grande parte dos
problemas da África, o resto do mundo já apresentou soluções. A dificuldade está
na implementação. Uganda, por exemplo, produz uma grande quantidade de pesquisas
sociais, mas poucas são usadas no continente.

Por que isso acontece?

Falta interação, e, quando países africanos não colaboram entre si, são
facilmente divididos por interesses estrangeiros. A África Subsaariana tem um
terço das reservas minerais do mundo, um lugar bastante interessante para todas
as grandes potências mundiais. Sem interação, não temos como nos proteger.

Como você vê o futuro?

Tenho certeza que o futuro está em países do Hemisfério Sul. E que as
dificuldades que hoje enfrentam são temporárias. O Brasil, por exemplo, tem
recursos naturais imensos e está avançando na questão política. Vocês formam um
povo com história de luta política, e creio que em breve terão os líderes que
querem.