ROMA ? Apenas alguns meses atrás, o Movimento Cinco Estrelas (M5S) vivia talvez o momento mais difícil de sua curta existência. A morte de seu cofundador e ideólogo, Gianroberto Casaleggio, e os problemas enfrentados pelos seus prefeitos em cidades como Livorno e Parma fomentavam dúvidas sobre o partido, que tem uma plataforma populista e antissistema. italia
Agora, com o fim do ano se aproximando, o movimento nutre sonhos concretos de ocupar o Palácio Chigi, sede do governo italiano. Tudo começou a mudar no último dia 19 de junho, quando o M5S venceu 19 das 20 disputas do segundo turno das eleições municipais em que participava, incluindo a capital e maior cidade do país, Roma, com Virginia Raggi, e, de maneira ainda mais surpreendente, com Chiara Appendino em Turim, um bastião histórico da esquerda.
? Isso foi só o começo. Agora depende apenas de nós ? disse o outro fundador da legenda, o humorista Beppe Grillo, ainda no calor da vitória.
O Movimento 5 Estrelas nasceu em 2009 e logo chacoalhou a política italiana, até então polarizada entre a centro-esquerda herdeira do Partido Comunista ? hoje representada pelo Partido Democrático (PD), do primeiro-ministro Matteo Renzi ? e a centro-direita liderada por Silvio Berlusconi.
Com um discurso crítico às legendas tradicionais, o movimento diz ser um ?não-partido? e defende a adequação dos salários dos parlamentares à média nacional, o veto a candidaturas a cargos públicos de cidadãos condenados (medida que afeta o próprio Grillo, sentenciado por homicídio culposo em um acidente de carro que matou três amigos) e a participação direta dos eleitores via web em debates e processos decisórios ? todas as posições importantes tomadas pelo M5S são votadas pelos seus militantes no blog do comediante.
Além disso, é contra o euro, embora seja a favor da União Europeia. Com essa postura, canalizou o voto de protesto e, em 2013, tornou-se a segunda maior força da Câmara dos Deputados e a terceira do Senado. O movimento faz uma oposição bastante dura ao premier Matteo Renzi ? que renunciará nesta segunda-feira após a derrota no referendo sobre a reforma constitucional ? mas seu isolacionismo sempre o manteve longe do poder.
Até junho, a maior cidade sob seu comando era Parma (190 mil habitantes), onde elegeu o prefeito Federico Pizzarotti em 2012. Mas o que era um sinal de crescimento acabou virando um problema: defensor intransigente da ?honestidade?, Pizzarotti está sendo investigado por abuso de poder, colocando na berlinda o M5S, que o suspendeu.
Em Livorno, berço do Partido Comunista Italiano (PCI), o prefeito Filippo Nogarin, que rompeu um longo domínio da esquerda no município, é alvo de inquérito por falência fraudulenta. A sigla também já teve de expulsar prefeitos que se recusaram a cortar seus salários ou deixaram de denunciar pressões da máfia.
Atualmente, além de Raggi e Appendino, seu principal nome nas instituições italianas é Luigi Di Maio, que tem 30 anos e é vice-presidente da Câmara dos Deputados. No entanto, Beppe Grillo continua liderando o movimento com mão de ferro. Divergências no seio do partido costumam ser punidas com a expulsão e ataques verborrágicos na internet, e há muita controvérsia sobre a participação da consultoria digital Casaleggio Associati no M5S.
Seu ex-proprietário, Gianroberto Casaleggio, morto em abril passado por causa de um derrame, foi cofundador da legenda e era o responsável por sua estratégia na web. Mais do que isso: apesar de ter ficado sempre à sombra de Grillo, era tido como o verdadeiro ?guru? do movimento. Também controlava o mecanismo de participação popular da sigla, gerando não poucas acusações de falta de transparência e conflito de interesses.
O M5S não possui uma sede física, e seus membros costumam visitar a Casaleggio Associati, que, em última instância, é uma empresa privada. Os candidatos que levam o nome do movimento são obrigados a assinar um contrato no qual se comprometem a pagar multas elevadas se prejudicarem sua imagem e a submeter todas as decisões importantes à equipe de Beppe Grillo.
O Movimento 5 Estrelas diz não ser nem de direita nem de esquerda. O Grillo que brada contra a União Europeia e se aproxima do extremista britânico Nigel Farage é o mesmo que critica grandes conglomerados industriais e financeiros e sai em defesa do ex-presidente Lula.
Com Roma e Turim nas mãos e a derrota de Renzi no referendo deste domingo, o partido tentará agora forçar a realização de novas eleições e conquistar a última fortaleza do establishment italiano: o Palácio Chigi.
?A partir desta semana, começaremos a votar online nosso programa e, na sequência, a equipe de governo?, escreveu Grillo em seu blog, mostrando que, para o M5S, não há tempo a perder.