Terra Roxa – Todos os dias a mesma missão intensa para vasculhar o DOU (Diário Oficial da União) e ver se nele tem alguma publicação relacionada à demarcação de terras indígenas na região oeste do Paraná, sobretudo nos municípios de Guaíra e de Terra Roxa.
O levantamento do processo para verificação dos possíveis espaços, realizada pela Funai (Fundação Nacional do Índio), terminou ainda em dezembro do ano passado e a informação preliminar dada pelo próprio órgão aos produtores é de que o DOU traria informações sobre o espaço, ao menos em tamanho de área em reivindicação indígena, até o fim do mês de março. Já se passaram quase dois meses da data prevista e o assunto que já costumava tirar o sono da população local agora é motivo de mais apreensão. Somente em Terra Roxa dois enfrentamentos recentes alertam para um barril de pólvora prestes a explodir a qualquer momento.
Há cerca de um mês e meio os próprios produtores impediram a invasão de mais uma área no Município. Hoje já são cinco ocupadas por aproximadamente 600 indígenas, de acordo com o último levantamento feito por setores da assistência social.
Nessa semana um novo enfrentamento trouxe ainda mais preocupação ao campo. Produtores tentaram impedir a entrada em um desses pontos invadidos de um caminhão com madeira e telhas para construção de casas. “Só que essa é uma área com reintegração já concedida em segunda instância, ou seja, a Funai não poderia enviar materiais para os índios construírem suas casas em uma área que já deveria ter sido reintegrada”, denuncia o presidente do Sindicato Rural de Terra Roxa, Vagner José Rodrigues.
Assim que os produtores se posicionaram na tentativa de impedir o avanço do caminhão, eles foram recebidos com flechadas. Ninguém se feriu. A polícia, apesar de ter sido acionada, não apareceu no local.
Diante desses episódios e cientes de que estão “sozinhos”, os produtores têm se mantido em alerta constante. Eles auxiliam no monitoramento um nas terras dos outros de modo que as invasões não avancem de forma indiscriminada. “Elas começaram lá pelo ano de 2006 e na época os produtores achavam que não iria dar em nada. A gente só passou a se unir quando várias áreas já haviam sido ocupadas, aí parou de aumentar os espaços invadidos”, lembra o presidente.
Ainda de acordo com Rodrigues, tudo indica que as invasões vinham sendo orquestradas e que os índios nada mais são do que vítimas desse processo. “Todas as áreas invadidas são de pessoas que não moram em Terra Roxa e essas ocupações geralmente ocorrem em períodos festivos, fins de semana, fim de dias chuvosos, geralmente a partir de áreas com mata. Eles se instalam sem que ninguém perceba e quando a gente nota já estão ali há alguns dias. Nessas ‘aldeias’, eles costumam simular brigas, rompem os grupos e automaticamente o grupo dissidente que deixa o local para invadir outro”, segue o presidente do Sindicato.
As terras de Rodrigues estão no meio de duas invasões. Logo no início ele cultivava soja e milho, mas abandonou as culturas que exigem aplicação de agrotóxicos e substituiu por eucaliptos. “O mesmo aconteceu com quem tinha gado nesse entorno, migrou para outra atividade”, afirmou.
Município deixaria de produzir R$ 85 milhões/ano
Entre uma invasão e outra, a preocupação das publicações de intenção de área com indicação de serem demarcadas, o setor produtivo já calcula os danos financeiros. Somente em Terra Roxa a reivindicação, segundo o presidente do Sindicato Rural, é de quase 18 mil hectares. Considerando o valor de mercado das terras, hoje todas agricultáveis e em produção, esse impacto seria de quase R$ 1,2 bilhão. Além disso, a possível demarcação, se ela ocorrer como o reivindicado, inviabilizaria 20% da economia local, um impacto irreversível que poderia levar o pequeno município de menos de 18 mil habitantes à falência. Considerando um VBP (Valor Bruto da Produção Agropecuária), de R$ 424 milhões em 2017, os danos à economia local seriam de R$ 85 milhões por ano.
“São áreas que deixam de produzir em escala comercial. Cresceria a presença de indígenas na cidade onerando ainda mais a política assistencial e os donos dessas áreas não teriam mais a quem recorrer nem como sobrevier. Além disso, o comércio que depende deste giro financeiro também sofreria um impacto irreversível”, destacou.
Para Rodrigues, outro aspecto que não está sendo levado em consideração é a inexistência histórica de registros indígenas naquele entorno. “Antes da chegada dos colonizadores, há 60 anos, havia um vazio habitacional de 200 anos ou mais”, relata, e acrescenta: “sem contar que o que se observa é uma presença massiva de indígenas que teriam vindo do Paraguai, ou seja, que não possuem vinculo direto com a região”.
Para Vagner José Rodrigues, outro alerta que precisa ser dado é do possível aumento de áreas invadidas de forma imediata assim que houver a publicação da intenção de área no Diário Oficial. Apesar de essa documentação não ser definitiva, os produtores terão 90 dias para recorrer, sem muita esperança de serem ouvidos. “Estamos nos preparando com os documentos da posse dessas áreas (…) existem muitas pessoas que não estão dispostas a entregar o que elas têm”, seguiu, ao indicar que parte dos produtores poderá partir para um enfrentamento, caso a demarcação ocorra.
Somada à área de reivindicação inicial entre Guaíra e Terra Roxa, a demarcação pode levar 33 mil hectares apenas nesses dois municípios, impacto direto financeiro, somente considerando o preço da terra, de R$ 2,2 bilhões. “Neste momento, produtor algum consegue vender suas áreas estando num desses municípios. Quem é que vai comprar uma área que pode perder a qualquer momento?”, questiona o presidente do Sindicato.
Direito à posse
Em visita à região nessa semana, o senador e pré-candidato à Presidência da República Alvaro Dias (Podemos) falou sobre o direito e as garantias de direito à propriedade da terra.
Ele que foi relator de uma CPI que tratou desse assunto e de investigação das questões fundiárias brasileiras no Congresso Nacional, reforçou que é preciso segurança ao produtor rural e à erradicação da violência praticada contra ele no que tange às invasões de áreas produtivas. “Temos invasões de propriedades privadas produtivas onde a Constituição do País vem sendo rasgada. Essas terras são intocáveis, mas estamos acostumados a elaborar leis no Brasil que são descumpridas, interpretadas ao sabor das conveniências e dos interesses”, criticou.
Para o senador, hoje está em vigência uma jurisprudência consagrada pelo STF (Supremo Tribunal Federal), apesar da tentativa de mudança dessa legislação tramitando na Câmara dos Deputados. “Ocorre que a jurisprudência em vigor vem em defesa da propriedade privada”, afirmou.
E a Funai?
A reportagem tentou contato com a CTL (Coordenadoria Territorial Local) em Guaíra, mas ninguém atendeu as ligações. Já na Coordenação Regional Interior Sul, que, apesar de ter sede em Chapecó (SC) tem cobertura na região oeste do Paraná, a reportagem tentou contato com o coordenador João Maria Roque, mas até o fechamento desta edição não houve retorno.