PARATY ? Uma mulher de natureza bastante comunicativa, a paulistana Erika Mota, de 36 anos, se sentiu incomodada quando percebeu que não podia conhecer e interagir com pessoas surdas. Buscando quebrar essa barreira, ela decidiu aprender a língua brasileira dos sinais, habilidade que se tornou sua principal atividade profissional há 10 anos. Na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) deste ano, o trabalho de Erika pode ser visto em todas as mesas do Espaço Itaú Cultural de Literatura, onde ela atua em revezamento com as intérpretes de libras Carolina Fomin, Naiane Olah e Lívia Vilas Boas.
? Fiz aulas para aprender, mas nunca tive a pretensão de me tornar profissional, nem sabia que tradutora de idioma de sinais era um trabalho. Comecei como voluntária, queria apenas me comunicar com eles. É uma carreira na qual se aprende o tempo inteiro. Nunca vou ter uma data de conclusão de curso ? diz Erika, integrante do grupo Corposinalizante, coletivo que investiga e produz ações performáticas e poéticas da língua brasileira de sinais.
O voluntariado também foi a porta de entrada de Carolina, arquiteta cearense especializada em acessibilidade.
? Após aprender técnicas em classes de uma igreja, comecei a me engajar em educação de jovens e adultos. Só depois de muita experiência me tornei uma intérprete. É necessário ter um conhecimento geral muito amplo em nossa área, saber sobre temas que são discutidos aqui na Flip, como literatura, política, questões raciais e de gênero. Um tradutor não pode ser limitado, não basta saber a língua dos sinais ? explica Carolina, que estudou no Instituto de Singularidades de São Paulo.
Para ela, a acessibilidade precisa existir antes da necessidade.
? Esses recursos têm que estar aqui para que o público surdo possa vir e participar, se sentir incluído. Todos os locais da Flip deviam oferecer esse tipo de serviço ? comenta Carolina.
Links Flip Mesas dia 3Naiane, a caçula do grupo, de 25 anos, aprendeu a língua dos sinais através de sua mãe, que se interessou pelo tema quando ela tinha quatro anos.
? Ao contrário do que todo mundo pensa, não tenho surdos em minha família. Quando ingressei na faculdade de letras com habilitação em libras da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), eu ainda pensava em ter outra formação. Mas nunca voltei atrás da decisão de ser uma tradutora ? conta Naiane, que ressalta a dificuldade de atuar em eventos de longa duração.
? É muito cansativo. É impossível traduzir nessa ocasiões sem revezar, sem parceiros. Sentimos a mesma exaustão de um tradutor oral, como uma intérprete numa convenção da ONU.
Colega de Naiane na UFSC, Gisele soube qual carreira seguir quando viu uma tradutora em um congresso sobre educação de surdos.
? Minha ideia era ser professora ou fonoaudióloga. Quado estive fui àquele encontro e a vi trabalhando, decidi que queria fazer aquilo da vida ? comenta Lívia.
Um das maiores dificuldades para as intérpretes de libras é quando elas precisam traduzir competições de slam, de poesias improvisadas e rimas.
? Há gírias e expressões que eu não sei fazer. Aí buscamos sinônimos para interpretar o sentido, a essência do que está sendo falado ? afirma Carolina.
Também especialista nessa área, Erika, que tem experiência com projetos como o Núcleo Bartolomeu de Depoimentos e o ZAP (Zona de Autônoma da Palavra), reforça o grau de dificuldade de trabalhar em slams.
? Quando você fala de arte, há uma profundidade maior na conversa, outras especificidades. Interpretar uma poesia ou improviso é um baita desafio ? garante.
Para Erika, vir à Flip é uma oportunidade para participar de debates relevantes. Ela menciona a primeira mesa do Espaço Itaú, na quarta-feira, quando cinco autoras confrontaram a curadoria da Flip sobre a ausência de mulheres negras na programação.
? Como uma negra da periferia, elas falavam de um âmbito muito familiar para mim. Não é um problema exclusivo da Flip. Essa lógica está no mundo todo. As mulheres estão começando a se colocar, e isso é ótimo.