Toledo – Apesar de trágica, a madrugada de 29 de maio de 1983 foi o principal episódio para mudar uma realidade antes escondida atrás do medo e da violência. Há 33 anos, Maria da Penha Maia Fernandes foi baleada enquanto dormia, pelo marido Marco Antônio Heredia Viveiros, que a deixou paraplégica.
Acordei com um barulho muito forte. Tentei me mexer e não consegui. Na hora pensei: O Marco me matou. Passados alguns minutos, fiquei escutando tudo o que se passava ao meu redor, mas não podia sair de onde estava e fiquei rezando e pedindo a Deus que me deixasse viva, que não deixasse minhas filhas órfãs de mãe, conta ela. Lembro-me de ouvir muitos barulhos dentro de casa, como se um assalto tivesse acontecido, e depois alguns vizinhos entrando, virando meu corpo e assustando-se com o que o viam.
Após se recuperar, foi mantida em cárcere privado, onde foi novamente agredida e sofreu mais uma tentativa de assassinato, também pelo companheiro, dessa vez por eletrocução. A partir daí, sair de casa significava salvar a própria vida. E foi isso que Maria da Penha, que na época tinha 38 anos, fez junto de suas duas filhas.
Inquéritos
O caso de Maria da Penha, que ficou conhecido nacionalmente, é apenas mais um entre os milhares já registrados no Brasil. Dados da Coordenadoria de Polícia Civil do Paraná mostram que de janeiro até o início de agosto deste ano, 5.501 inquéritos foram instaurados, todos eles relacionados a algum tipo de violência doméstica ou familiar contra a mulher.
O levantamento traz ainda um comparativo dos últimos quatro anos. Em 2012, a Polícia Civil registrou 8.500 inquéritos. Os números atuais representam uma queda de 35% nos casos de agressão à mulher, resultado da legislação que garante apoio à vítima e punição ao agressor.
O período com o maior número de inquéritos instaurados foi em 2013, quando 10.598 mulheres buscaram apoio nas 20 Delegacias da Mulher espalhadas pelo Estado. Já no ano seguinte foram 9.729, e 9.047 em 2015. O Paraná possui ainda 49.634 processos em andamento, conforme o Tribunal de Justiça.
Violência doméstica ou familiar no PR
Ano Qtde. de Inquéritos
2012 8.500
2013 10.598
2014 9.729
2015 9.047
2016* 5.501
*Atualizado até 02/08/2016
Lei Maria da Penha completa dez anos
A busca por justiça de Maria da Penha durou quase 20 anos. Quando seu ex-marido foi condenado a oito anos de prisão, em 2002, faltavam apenas seis meses para a prescrição do crime. Mesmo com a pena decretada, Marco Antônio cumpriu só dois anos em regime fechado.
Em 7 de agosto de 2006, Maria da Penha deu nome à Lei Federal 11.340, que completa dez anos neste domingo. Segundo o Ministério Público, a lei representa o principal instrumento legal de enfrentamento a agressões contra a mulher nas relações privadas.
Mas, Maria da Penha lembra que houve um descaso absurdo do governo brasileiro em relação ao seu caso, e somente depois de publicar seu livro Sobrevivi… posso contar, em 1997, e utilizá-lo como instrumento denunciatório à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos), que condenou o Brasil pela tolerância e omissão estatal com que a Justiça tratava os casos de violência contra a mulher, em 2001, é que a luta pela defesa e pelos direitos da mulher foi fortalecida, e a lei sancionada.
A lei colaborou ainda para a diminuição em cerca de 10% da taxa de homicídio de mulheres dentro das residências, de acordo com o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e é reconhecida pela ONU como uma das três melhores legislações do mundo no enfrentamento à violência contra as mulheres.
ONGs suprem descaso de poder público
Mesmo com a possibilidade de denúncia e uma lei que a ampare, a garantia de políticas públicas à mulher ainda é falha no sistema público. É o que afirma a representante da ONG Mais Marias, de Curitiba, Maria Leticia Fagundes. As ONGs só existem porque o poder público não dá a atenção necessária e se omite perante esse problema. Os Cras e Creas [Centros de Referência em Assistência Social] não conseguem atender toda a demanda e infelizmente, o esforço [das esferas públicas] ainda é pequeno, lamenta. Maria Leticia não fala apenas da assistência social e psicológica às vítimas, mas também da implantação de mais delegacias que atendam ao público feminino. A mulher não pode procurar uma delegacia qualquer para denunciar uma agressão. Neste caso, só nas delegacias especializadas, que não existem na maioria dos municípios paranaenses, diz. A ONG Mais Marias foi criada em 2012, e desde lá atendeu mais de três mil mulheres. Os atendimentos são feitos também pela internet, dando assistência a todo o Brasil pelo www.maismarias.com.