Cotidiano

Guerra às drogas nas Filipinas mata 1,8 mil em dois meses

RIO — Enquanto um número crescente de países, sobretudo no Ocidente, está suavizando as políticas de repressão às drogas, as Filipinas chamam atenção da imprensa internacional pelo recrudescimento do combate ao narcotráfico. Eleito com essa bandeira, o presidente filipino, Rodrigo Duterte, assumiu o cargo há menos de dois meses e, desde então, quase 1,8 mil pessoas foram mortas no país, supostamente por envolvimento no uso e tráfico de entorpecentes, tanto por forças policiais como por milicias armadas. Criticado por observadores das Nações Unidas, o mandatário chegou a ameaçar abandonar o organismo internacional.

Em depoimento a uma comissão do Senado nesta segunda-feira, o chefe da Polícia Nacional, Ronald Dela Rosa confirmou que 712 pessoas, supostamente traficantes e usuários de drogas, foram mortos pela polícia desde o início das operações, em 1º de julho. Sem dar detalhes, Dela Rosa informou que outras 1.067 mortes relacionadas ao tráfico de entorpecentes também estão sendo investigadas.

Na semana passada, os assassinatos diários deixaram as páginas policiais dos jornais filipinos e ganharam destaque internacional pela ONU. Em comunicado conjunto, o secretário-geral, Ban Ki-moon, e o diretor do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC, na sigla em inglês), Yury Fedotov, condenaram o “aparente endosso de execuções extrajudiciais”. Os comissários das Nações Unidas para Direitos Humanos Agnes Callamard e Dainius Puras divulgaram nota pedindo que o governo filipino pusesse um fim nas execuções extrajudiciais.

— Alegações de ofensas relacionadas ao tráfico de drogas devem ser julgadas em uma corte pela lei, não por homens armados nas ruas — criticou Agnes. — Nós pedimos às autoridades filipinas que adotem, com efeito imediato, as medidas necessárias para proteger todas as pessoas contra assassinatos direcionados e execuções extrajudiciais.

Em controversa coletiva de imprensa no domingo, Duterte fez duras críticas aos comissários e ameaçou deixar as Nações Unidas, dizendo que convidaria outros países, como China e nações africanas, para formar uma nova organização internacional.

— Talvez nós teremos que decidir pela separação das Nações Unidas. Se vocês foram tão desrespeitosos, filhos da puta, nós vamos te deixar — disse Duterte, já conhecido por ser desrespeitoso com outras pessoas e instituições. Em maio, ele chegou a chamar o Papa Francisco de “filho de uma puta”. — Nós contribuímos com uma certa quantia para a manutenção da ONU, não é? Nos devolvam o dinheiro que nós saímos.

Já na segunda-feira, o Secretário de Relações Exteriores das Filipinas, Perfecto Yasay Jr., tentou pôr panos quentes nas declarações dadas por Duterte, dizendo que as falas do presidente foram postas fora de contexto pela imprensa. De acordo com Yasay, Duterte estava cansado — a coletiva de imprensa foi chamada por ele após a meia-noite, pelo horário local — e frustado e furioso pelas críticas internacionais contra sua política de guerra às drogas.

— Como nós, ele também é humano, mas eu posso garantir que o presidente é muito responsável em suas declarações — disse Yasay. — Quando você está especialmente cansado, desapontado, frustrado e furioso, e sob essas circunstâncias, nós devemos dar margens para o presidente por esse tipo de reação.

Além do posicionamento dos comissários das Nações Unidas, o número inadmissível de mortes tem sido criticadas por organizações não governamentais. Na semana passada, a Human Rights Watch divulgou carta pedindo que o governo de Duterte iniciasse investigações sobre esses homicídios. Essa é a mesma posição da Citizen’s Council for Human Rights:

“Nós acreditamos que métodos sumários que violam o direito à vida e ao devido processo não vão solucionar o problema de crimes e drogas ilegais no país”, disse a organização. “Em vez disso, vai apenas exacerbar o problema da ilegalidade e da violência no país”.

A senadora Leila de Lima, crítica do presidente, deu início a uma investigação no Congresso sobre o aumento “sem precedentes” no número de mortes no país, exigindo explicações dos órgãos de segurança pública do país.

— Estou perturbada por termos mortes por todos os lados, como temos café da manhã todos os dias — disse Leila. — Minha preocupação não apenas gira em torno apenas do registro crescente de mortes relatadas pela polícia. O que é particularmente preocupante é que a caompanha contra as drogas parece ser uma desculpa para que alguns agentes da lei e outros elementos, como os vigilantes, cometam assassinatos impunemente.