Conte algo que não sei.
Todos os objetos e interfaces em que você pode aplicar o design estimulam até quatro sentidos. O alimento é o único material ? e podemos considerá-lo um material, como a madeira, o ferro, o plástico ? com o qual você pode estimular os cinco sentidos. Isso significa que você vai ingerir o que eu criei, o que é o processo mais íntimo, de confiança, que pode existir. Isso nos leva a outro ponto interessante: o alimento é perecível, não dura. Se você é um food designer, não cria um produto, cria uma memória.
Vale a experiência, então.
A maioria dos chefs se concentra ao máximo no visual e no sabor do alimento. Estamos esquecendo os outros sentidos. Se você quer que o alimento dure para sempre, deve criar para além do prato. Comemos com os olhos, é verdade. Mas há um monte de possibilidades ao redor de quem come. Daí chegaremos ao alimento com significado. Houve eventos em que os food designers criaram um álcool respirável. Não havia ato de comer envolvido. Quando dizemos food design, não estamos falando necessariamente do ato de comer.
Então nem é preciso cozinhar para ser food designer.
Eu não faço ideia de como se cozinha. A maioria dos food designers tem histórico de design industrial ou de produto. Tem gente que sequer tem estudo em design, é um apaixonado autodidata por comida. E então colabora. Se o design é colaborativo, pela teoria, o food design é ainda mais: eu com design industrial, ele com a ciência do alimento, você com as artes da culinária. São diferentes conhecimentos para criar para além do prato.
Em tudo pode haver food design? Como arte?
Design é diferente de arte, é um processo que leva do nada a uma solução inovadora. Há dois fatores para identificá-lo: suprir uma necessidade e dar sentido à vida das pessoas. Se falta um dos dois, não é food design. Se você dá sentido sem resolver uma necessidade, parece-me que está fazendo arte. Se resolve uma necessidade sem dar sentido, provavelmente o seu design é ruim.
Podemos aplicar o food design à receita da sua avó?
Não. A receita da minha avó me traz significado, mas não cria nada novo. Mas pode haver design na culinária tradicional. Vamos supor que haja um homem que produz um tipo de queijo de cabra nas montanhas do Brasil. É possível que haja food design ali e ele não saiba: se ele tiver identificado um modo de fazer diferente e gerou um produto de gosto único. Se é novo e traz algum aperfeiçoamento, é provavelmente food design. Mas se é um homem que reproduz um modo de fazer do avô, não é design.
Por que discutir food design enquanto milhares de pessoas sequer têm o que comer?
É exatamente o que deveríamos fazer para que essas pessoas ao menos tivessem água limpa. Os designers têm recursos para produzir soluções significativas, inovadoras e menos custosas para levar água e comida a todo o mundo. E não entendo como investimos tanto em pratos chiques ou em outro refrigerante, quando já temos mil deles, e não em soluções para esses problemas. Há food design suficiente nessa seara? Nem perto disso.
E por que não?
Porque somos uma porcaria, estamos atrás de dinheiro. Um terço do alimento produzido no mundo é desperdiçado. Se criamos mais uma batata com gosto artificial, ganhamos mais dinheiro. Se dermos comida a quem está faminto, não tenho certeza se falariam de nós. Mas isso transcende ao food design. Uma pena.