Cotidiano

Feminista tunisiana desafia mundo árabe: 'Pessoas hoje têm menos medo'

RIO — A feminista radical Amina Tyler, cujo sobrenome original é Sboui, foi criada para seguir uma família tradicional da Tunísia. Mas a verdade é que passou longe disso. Em 2013, ela ficou conhecida internacionalmente como a menina que desafiou sua sociedade — e o mundo árabe — ao publicar uma foto com o peito descoberto e pintado: “Meu corpo é meu e não representa a honra de ninguém”. Desde esta primeira ação, ela já enfrentou a prisão, o cativeiro e a estigmatização em seu país — enquanto sua própria família chegou a acreditar que ela estava possuída por forças malignas.

Rejeitada pelas escolas de Túnis, se mudou há dois anos para Paris e lá terminou os estudos. Agora, a volta à sua terra natal lhe oferece uma nova visão do país que havia ficado para trás. E também já deixou hematomas no seu corpo, símbolo da sua luta por liberdade: em abril, ela foi agredida por um grupo de homens nas ruas da capital. Algumas semanas depois, voltou à prisão tunisiana por mais três dias. Mas, em entrevista ao GLOBO, Amina contou que acredita em um novo tempo de otimismo para quem vive do instinto revolucionário.

O que o feminismo significa hoje para você?

Eu tenho a definição tradicional de feminismo, que é acreditar na igualdade entre homens e mulheres. Desde crianças, aprendemos que nosso corpo não é nosso, mas dos homens. E por isso precisamos protegê-lo para não arruinar a reputação da nossa família. Hoje, eu acho que as ações mais importantes variam em cada país ou momento. Para mim, isso agora significa focar nos padrões amorosos na Tunísia e também nos direitos LGBT.

Como está a vida agora que voltou a Túnis? Ouvi dizer que você foi presa.

É, isso foi verdade. Uma menor de idade ficou com medo da família e veio até mim para pedir ajuda. Acabei sendo solta três dias depois. Mas, fora isso, a vida de volta está ótima. Estou planejando uma nova revista, protestos e muitas outras coisas com a associação feminista mais famosa da Tunísia. Hoje, tenho acesso a contatos de pessoas que ajudam mulheres, incluindo dentro do próprio governo.

Tem sido alvo de críticas no seu país? Já sente diferenças após dois anos em Paris?

Nascemos para criticar os outros e para sermos criticados. Não vou ficar me lamentando sobre isso. Mas as pessoas hoje têm menos medo na Tunísia e parecem entender que não somos um país teocrático. A maioria das mulheres acredita que a causa feminista seja importante e legítima. E hoje está mais claro que o feminismo faz parte de uma evolução. Então, certamente, esta é uma época melhor em comparação a alguns anos atrás.

Qual foi a reação da sua família às ações feministas?

Fui educada em uma família que, embora não seja exatamente religiosa, certamente é muito tradicional da Tunísia. No começo, eles tinham medo, então a reação foi bastante violenta. O momento mais difícil foi ter sido sequestrada pela minha própria família por um mês, logo após publicar a primeira foto nas redes. Fui torturada física, emocional e verbalmente em cada segundo. Mas hoje meu pai me dá muito apoio e sempre diz que tem muito orgulho de mim. Se ele não gosta de uma das minhas ações, me dá conselhos sobre como posso mudá-la. Às vezes, ele diz: “Olha o que está acontecendo no país, porque você não faz algo sobre isso?”.

Morar na Arábia Saudita na adolescência mudou sua visão de mundo?

Lá tudo é muito radical. Eu era só uma criança e não tinha o direito de fazer nada. Isso me fez ler sobre religião e direitos femininos. Percebi que o feminismo não é uma coisa só importante, mas sim uma necessidade na Tunísia e no mundo todo. Não consigo pensar em nenhum país modelo em direitos das mulheres. De salto alto ou de burca, todas são vítimas do assédio sexual, por exemplo.

Em 2013, você ficou 75 dias na cadeia porque pintou a parede de um cemitério com palavras de protesto. O que isso te ensinou?

A verdade é que tive uma experiência muito boa na prisão e estaria disposta a fazer tudo de novo a qualquer hora dessas.Não me arrependo nem faria nada de diferente. Eu aprendi a ser tolerante lá dentro. Porque ninguém se importa se você esta lá por prostituição, é homossexual, usa cabelo cinza, veste burca ou tem um monte de tatuagens. Há muita solidariedade. Eu senti que renasci na prisão.

Você deixou o Femen quando estava sendo idolatrada pelo grupo com gritos de “Amina é grande” (em uma comparação a “Alá é grande”). Dizem que você fez críticas de islamofobia a estas feministas. Pode falar sobre isso?

Não aceito o modo como elas atuam em lugares religiosos, como mesquitas e igrejas, porque não aceito que alguém vá à minha casa e me diga o que fazer ou ameace a minha liberdade. Temos as ruas para lutar. Não quero incomodar as pessoas. Além disso, elas disseram ao governo da Tunísia que estavam arrependidas e pediram desculpas por terem atuado aqui quando foram presas. E eu odiei isso.

É possível viver a religião e o feminismo ao mesmo tempo? Estes dois lados podem manter um debate saudável?

Não digo que a maioria das feministas sejam religiosas, mas elas têm suas crenças. Mas um debate? Porque teríamos um debate? Não debatemos direitos humanos. O feminismo não é uma questão de opinião.

Qual é a melhor forma de falar às mulheres em suas culturas?

Em primeiro lugar, hoje temos a sorte de contar com as redes sociais e os celulares. E, depois, há pessoas que se dedicam a falar com estas mulheres em suas línguas. Você nem sempre consegue falar de feminismo com uma mulher que não sabe nem mesmo escrever seu nome. Tentamos explicar as coisas que podem proteger as mulheres, como quando podem procurar a polícia ou um advogado caso sejam vítimas de alguma agressão.

Suas ações são muito fortes simbolicamente, o que faz muita gente classificá-las de agressivas. Como você diferencia o choque e a agressão?

Eu sou radical em tudo na minha vida, sabe? Mas jamais usei a agressão. Você pode acreditar em algo, desde que não mate ou machuque os outros. As pessoas não querem mais tempos ditatoriais como os do passado. Houve um tempo em que ser agressivo era a única solução, mas não hoje, em que os regimes tendem a ser mais abertos. E, na verdade, você pode se chocar por qualquer coisa, mas isso ainda não é uma agressão. No nosso caso, temos muitos advogados que nos dão conselhos antes de qualquer ação. Não acredito que hoje exista algum movimento legal e agressivo.

Quando o assunto é feminismo, fala-se de solidariedade e unidade entre as mulheres. Há espaço para o amor (não sexual) no seu feminismo?

Se eu pudesse, abraçaria todas as mulheres da Tunísia. Mas, na verdade, se trata de humanidade. E, às vezes, de revolta. Contra a lei, o governo, a polícia, os homens, a tradição ou os seus próprios pais. Mas eu também não seria feliz em um mundo dominado só por mulheres. Defendo a igualdade, e não um matriarcado. As mulheres que defendem isso não podem se chamar de feministas. E eu lutaria contra elas tanto quanto luto contra o patriarcado.