Cotidiano

Eva Pfannes, arquiteta: 'As pessoas estão desesperadas para reduzir a poluição'

201606161858444636.jpg “Nasci na Alemanha, mas moro na Holanda, onde tenho um escritório de
arquitetura e urbanismo. Trabalhei durante quatro anos no projeto piloto de reciclagem de água chamado Água Carioca, que acabou de ser
inaugurado no Sítio Roberto Burle Max, em Guaratiba, e cuja pesquisa foi apoiada pelo
Fundo Criativo Holandês.”

Conte algo que não sei.

Há um movimento mundial que visa a limpeza dos rios,
principalmente os que passam dentro das cidades. As pessoas querem poder
mergulhar neles. Paris já faz isso com o Rio Sena, para a Olimpíada de 2024. Em
Munique, o Rio Isar tem águas caribenhas. Já imaginou poder mergulhar na Lagoa?

Há 267 rios no Rio e parece que as pessoas não prestam muita
atenção neles.

A maioria foi aterrada, até o Carioca ficou escondido.
As pessoas não tinham um relacionamento muito direto com a água, a não ser com o
mar. Quando a poluição dos rios apareceu na praia e na Baía de Guanabara, isso
ficou óbvio. Há uns 200 anos, pensávamos que a natureza era perigosa, que
tínhamos que nos proteger dela. Agora, ficou claro que precisamos aprender com
toda a sua complexidade. As pessoas estão desesperadas para reduzir a poluição,
e percebo isso principalmente nas comunidades onde os moradores estão
diretamente expostos.

Seu projeto apresenta uma solução para reciclar a água. Como
funciona?

A água que sai do banheiro vai para um tanque séptico,
onde há um primeiro tratamento. Tudo que é sólido é diluído e vira líquido. Esse
líquido, muito nutriente na perspectiva de uma planta, vai para um filtro
orgânico, que trabalha com plantas e areias. A água é purificada e levada a um
reservatório, que também capta a água das chuvas. Ela pode ser reutilizada para
lavar banheiros, carros, regar plantas… Não é preciso uma área muito grande, e
o conceito é que um grupo de casas divida o mesmo filtro, o que permite a
implantação em favelas como Salgueiro e Formiga.

Sem tubulação de esgoto?

Problemas ambientais podem ser solucionados sem a
construção de tubulação de esgoto. Em todo o mundo, a estação de tratamento fica
fora da cidade. Mas cada casa tem que se conectar a rede de esgoto, ou não há
tratamento. Propomos um novo planejamento urbano que trabalha para
descentralizar o sistema vigente. Funciona não só para a água, mas também para a
energia. Painéis solares são exemplos.

Como natureza, tecnologia e arquitetura se relacionam?

Falamos muito em ecologia, termo introduzido por uma
cientista alemã há 150 anos. Significa a economia de todas as relações dos
organismos ? plantas, animais, humanos, micróbios ? com o mundo externo,
aspectos sociais, técnicos, políticos e espaciais. E é com isso que a
arquitetura e o urbanismo precisam lidar. A arquitetura tem um novo papel de
mediar essas diferentes áreas e integrá-las. Deve ter em mente que o ser humano
é uma das partes desse sistema, mas não é o centro. A tecnologia pode fazer uso
do que já existe de forma a apresentar soluções.

O que mais chamou sua atenção quando veio ao Rio pela primeira vez, em 2003?

A natureza aqui é muito presente. Quando abri um mapa para ver isso, vi a
cidade, mas sem as favelas. Havia milhares de pessoas morando ali, mas elas não
eram representadas nos mapas. Fiquei chocada.

Mais uma forma de exclusão.

Sim, mas já mudou muito. Na Maré e em Rio das Pedras,
moradores estão mapeando as ruas. Claro que tem a ver com legalização da posse,
mas é essencial para integrar os moradores informais à cidade formal. Lá
funciona um sistema que tem estrutura política própria. Talvez as pessoas daqui
achem violento, mas se desenvolveu porque não estava conectado com a outra
cidade.