BRASÍLIA e RIO – O governo quer fazer mudanças no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para diminuir o volume de inscritos, com o objetivo de tornar a prova sustentável. A primeira medida já definida é que o teste deixará de ser um meio de obter o certificado de ensino médio ? para isso, uma nova avaliação será aplicada no fim do primeiro semestre do ano que vem. A medida já vem gerando debate entre especialistas, que pedem cautela nas alterações. educação
Outro alvo das restrições são os chamados ?treineiros?, em geral estudantes secundaristas de etapas anteriores ao 3º ano que querem se habituar à prova. O governo vai preparar um simulado nacional, previsto para ser aplicado em julho de 2016, para candidatos com esse perfil.
Já os participantes sabatistas, que entram no mesmo horário que os demais estudantes nos locais de prova, mas só começam a fazê-la depois que o sol se põe no sábado, não serão excluídos do processo, mas terão um Enem próprio. Uma das medidas em estudo é aplicar a prova para esse público na mesma data em que ela é feita por presidiários e menores infratores internados, geralmente um mês após a realização regular do exame.
Do total de aproximadamente 8,7 milhões de inscritos neste ano, 11,49% solicitaram certificação e 16% concluirão o ensino médio após 2016, podendo ser caracterizados como ?treineiros?. Os sabatistas não chegam a 1%: apenas 76,2 mil pessoas. O governo evita dimensionar o corte no Enem, mas a ordem é dar preferência aos candidatos do 3º ano do ensino médio e aos demais interessados que possam efetivamente acessar o ensino superior por meio do exame, dentro do cenário de crise econômica. O valor de cada prova, este ano, foi de R$ 72, considerando quantias pagas na inscrição dos participantes e sem contabilizar os gastos com a segunda aplicação em virtude das ocupações de escolas, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Para Maria Inês Fini, presidente do Inep, responsável pela aplicação do Enem, as mudanças se justificam diante de uma abstenção de 30% na edição de 2016 da prova ? maior taxa dos últimos sete anos. Ela ressaltou, durante reunião com secretários estaduais de Educação, ontem, que dos cerca de 8,7 milhões de inscritos no Enem neste ano, 1,2 milhão nem chegaram a consultar o cartão do candidato, que traz o local de prova, indicando que muitos se inscrevem sem pretensão de comparecer.
Fini defendeu ainda que as mudanças têm embasamento técnico e serão feitas de ?forma ética? para tornar o Enem ?sustentável?. Ela defendeu a retirada dos interessados apenas na certificação do ensino médio, citando que, na edição passada do exame, dos 990 mil candidatos que se inscreveram com essa finalidade, apenas 74 mil conseguiram. Para a presidente do Inep, o Enem não é adequado para esse fim:
? O exame não foi planejado para fazer esse tipo de avaliação (certificação do ensino médio). É uma demanda bastante específica ? disse Fini.
Um grupo de consultores está debruçado sobre o Enem para analisar como redimensioná-lo. Compara-se, por exemplo, quanto custa manter monitores com os alunos sabatistas em tempo ampliado e o valor necessário caso o exame seja deslocado para outro dia. Outra questão que chamou atenção foi a de candidatos que já fizeram o Enem de sete a oito vezes. Os analistas vão verificar as notas e demais informações desses participantes para entender o motivo de eles serem tão recorrentes.
MUDANÇAS GERAM POLÊMICA
Por enquanto, o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) ainda não tem opinião formada sobre o projeto de enxugar o Enem. De acordo com Antonio Neto, diretor institucional do Conselho, ainda é muito cedo para avaliar se a medida será positiva ou não.
?Isso é uma discussão que vai ser encaminhada a partir da implantação da Base Nacional Comum. Até lá, o Inep ainda vai esclarecer como será a mudança. A Maria Inês participou da concepção do exame, ela conhece por dentro o alcance de uma prova como Enem. Essa proposta dela ainda não foi apresentada como um modelo, o Consed vai aguardar um posicionamento definitivo ? afirmou.
Coordenador da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, Daniel Cara é mais cauteloso e crítico em relação à mudança.
? É importante lembrar que faz parte do processo de gestão buscar a eficiência, mas a minha preocupação é que o Enem é um grande instrumento democratizador. Ele pode ser aperfeiçoado, mas esse princípio de democratização do acesso à universidade e da certificação do ensino médio não pode ser deixado de lado. Muitas vezes, a gestão atual do Inep está mais preocupada em retomar o Enem que foi criado por pessoas dessa gestão, do que aperfeiçoar um exame que avançou com mérito do governo passado e participação da sociedade? afirmou.
Cara destaca que o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb), que seria um instrumento eficaz nessa reformulação, foi revogado pelo próprio Inep em agosto deste ano.
? A partir do momento que a presidente do Inep revogou o Sinaeb, tenho muito dúvida se qualquer reforma que ela fizer nas avaliações de larga escala serão positivas. Uma reforma dessa envergadura não se faz com consultor, tem que ouvir as pessoas envolvidas no processo, os estudantes, os professores, o Fórum Nacional de Educação e tem que manter mecanismos como o Sinaeb.