RIO ? A grave crise de escassez de alimentos e remédios na Venezuela tem efeitos dramáticos na saúde e no bem-estar da população, com reflexo direto nas taxa de mortalidade materna e infantil, advertiu a Human Rights Watch (HRW) em um novo relatório divulgado nesta segunda-feira. A ONG, com sede em Nova York, apelou à ONU e às autoridades locais para pressionarem o governo de Nicolás Maduro a adotar medidas para conter o desabastecimento. Venezuela
O documento de 73 páginas, intitulado ?Crise humanitária na Venezuela: A inadequada e repressiva resposta do governo ante a grave escassez de medicamentos, insumos e alimentos?, acusa o Executivo de intimidar e punir críticos, incluindo profissionais da saúde e defensores de direitos humanos que denunciam o desabastecimento. Mergulhado em uma crise financeira e inflação galopante, Maduro atribui o cenário crítico a uma ?guerra econômica? travada pela oposição, setor privado e governos estrangeiros.
? A reação do governo tem sido absolutamente inadequada. Não só nega a crise nem tomou medidas eficazes para enfrentá-la (nem por contra própria nem com a ajuda internacional), como quando se reconhece que há escassez, culpa, sem qualquer sustentação, uma suposta ‘guerra econômica’ ? afirmou ao GLOBO o diretor da Human Rights Watch para as Américas, José Miguel Vivanco. ? Isso serve como desculpa para continuar com as práticas repressivas contra os seus críticos.
Segundo Vivanco, médicos e enfermeiros foram ameaçados de demissão de hospitais públicos, enquanto defensores de direitos humanos tiveram limitadas suas chances de obter financiamento internacional, e alguns manifestantes foram submetidos a abusos físicos e processos penais em tribunais militares, violando o seu direito a um julgamento justo.
? Independentemente das razões que levaram à crise, o governo tem hoje a obrigação jurídica internacional de adotar todas as medidas ao seu alcance, usando todos os recursos disponíveis para reverter a evidente e dramática deterioração na saúde e na alimentação dos venezuelanos ? completou Vivanco.
A situação agravou-se nos últimos dois anos, com uma piora no acesso a serviços de saúde adequados, medicamentos e suprimentos médicos.
? Isso teve consequências graves como infecções hospitalares evitáveis, adiamento de cirurgias atrasadas (incluindo urgentes). Talvez, as consequências mais óbvias da crise sejam o aumento significativo nas taxas de mortalidade materna e infantil. A taxa de mortalidade materna nos primeiros cinco meses de 2016 é 79% superior à taxa de 2009, a última informada oficialmente pelo governo às Nações Unidas. Já a taxa infantil é 45% superior à taxa de 2013. De acordo com os profissionais de saúde da Venezuela e especialistas internacionais em saúde pública, a escassez de medicamentos e suprimentos é um fator chave para explicar estes aumentos ? disse o diretor.
O relatório é baseado em entrevistas com mais de cem pessoas de Caracas, capital do país, e de outros seis estados ? Aragua, Carabobo, Lara, Táchira, Trujillo e Zulia. Representantes da ONG visitaram oito hospitais públicos e um centro de saúde na fronteira com a Colômbia.
Entre os casos descritos no relatório está o de María Cañizalis, uma menina de 4 anos que teve seu tratamento de pneumonia interrompido no hospital por falta de medicamento. Em outra história, Carlos Sánchez, de 33 anos, teve que levar remédios e insumos de casa ? incluindo analgésicos, antibióticos e soluções salinas ? para sua primeira cirurgia de tratamento de linfoma de Hodgkin, um tipo de câncer.
DESABASTECIMENTO TOTAL
Uma pesquisa realizada em agosto com uma rede de mais de 200 médicos mostra que em 76% dos hospitais públicos onde trabalham não havia medicamentos básicos. Muitas vezes, remédios não estão disponíveis nem em farmácias públicas nem privadas. E em alguns casos há desabastecimento total de medicamentos básicos como antibióticos e analgésicos.
A ONG pediu aos membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) para monitorarem a situação e apelou à ONU que faça uma avaliação independente do impacto da escassez, bem como as medidas que são necessárias para conter a crise. Apesar da pressão já exercida pelos países vizinhos e até pela ONU, Vivanco cobrou mais ação:
? Nos últimos tempos, alguns governos como Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Peru têm questionado abertamente as práticas abusivas do governo Maduro. No âmbito da OEA, foi aberta uma discussão sobre a aplicação da Carta Democrática na Venezuela. No Mercosul, os membros proibiram a Venezuela de assumir a presidência e deram um ultimato para cumprir as suas obrigações para permanecer no bloco. Na esfera das Nações Unidas, o próprio secretário-geral e o alto comissário para os direitos humanos se pronunciaram sobre a situação humanitária. Mas, à luz da situação que vimos na Venezuela, isso ainda não é suficiente.
Ele cobrou a efetiva aplicação da Carta Democrática na Venezuela:
? É por isso que é essencial que os líderes democráticos da região continuem exercendo ainda mais pressão, e a forma ideal para fazê-la é a discussão aberta na OEA no processo da Carta Democrática. Além disso, as organizações humanitárias das Nações Unidas devem publicar uma análise exaustiva sobre a situação humanitária no país e oferecer à Venezuela as alternativas disponíveis para dar ajuda internacional, independentemente se o governo Maduro apoia ou não ? disse.