Cotidiano

Epidemia gera prejuízo a mercado bilionário

SÃO PAULO – Uma suposta epidemia causada por uma bactéria que se alastra rapidamente está trazendo enorme prejuízo à cadeia nacional de criação de equinos. A doença, chamada mormo, já levou ao sacrifício de 652 animais de raça nos últimos três anos, segundo o Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa). Um baque num mercado que em 2015 movimentou R$ 17 bilhões, conforme dados da Confederação Brasileira de Hipismo. Toda a cadeia, que inclui procriação, exposições, competições, venda e exportação, emprega 642 mil pessoas. E o Brasil tem uma tropa de 7 milhões de cavalos.

O diagnóstico do mormo cabe ao Mapa, e, segundo os criadores, falhas e despreparo na maneira de fazer os diagnósticos estariam ocasionando o “sacrifício indiscriminado” de animais. Em razão disso, desde dezembro o Ministério Público Federal (MPF) está investigando a atuação do Mapa. Além de despreparo, os criadores acusam o Ministério de agir de forma negligente na condução do problema. Dizem que as decisões sobre animais a serem sacrificados se baseiam em exames feitos por laboratórios sem a devida certificação técnica. Apontam também, de acordo com denúncia ao MPF, irregularidades em “procedimentos do Mapa e órgãos executores estaduais”.

Procurado, o Mapa disse que “os proprietários resistem em aceitar o diagnóstico positivo para a doença, ainda mais considerando a relação afetiva” em muitos casos. Os criadores alegam, contudo, que há desencontro comprovado entre resultados de exames para confirmar a doença feitos pelo Mapa e os feitos pelos criadores em laboratórios certificados fora do Brasil.

Sophia Baptista de Oliveira, dona do haras Agro Maripa, que cria cavalos manga-larga marchador, viu nove de seus 400 animais serem sacrificados pelo que ela chama de “falso positivo” para mormo. O décimo sacrifício foi evitado com o resultado negativo obtido no laboratório da OIE (organização internacional de sanidade animal) na Alemanha.

O haras foi interditado há um ano e sete meses. O prejuízo, ela diz que nem consegue calcular. Os cavalos criados custam de R$ 3 mil a R$ 3 milhões. Além dos animais sacrificados, o haras está impossibilitado de vender, expor, competir ou retirar qualquer cavalo de suas propriedades. A interdição após o diagnóstico é outro fator apontado pelo Mapa para justificar a resistência dos criadores em aceitar os sacrifícios.

“Devido aos graves impactos que a doença pode ocasionar (potencial zoonótico e restrições ao trânsito, entre outros), se faz cada vez mais necessária a vigilância epidemiológica para a doença”, acrescentou o Mapa.

Veterinários especializados em equinos também rejeitam o modo como o Mapa diagnostica o mormo. O especialista José Rebouças cita, por exemplo, que 99% dos animais mortos pelo Mapa não tinham sinais da doença. Não há vacina nem tratamento, tornando necessário o sacrifício do animal comprovadamente contaminado pela bactéria responsável pela doença.

– O correto seria o Ministério fazer a necrópsia dos animais sacrificados para identificar a bactéria e também estudá-la. Mas isso não é feito. Há muita desorganização – avalia Rebouças, acrescentando que o exame para detectar a doença tem margem de erro de até 10%.

A advogada Nivea de Paula, que representa o Jockey Clube de Goiás, a Associação de Cavalos Pantaneiros e o haras Quatro Irmãos, de Bauru (SP), diz que o ISO exigido pela OIE para laboratórios que realizam o exame de mormo foi conseguido pelo Brasil apenas em novembro do ano passado.

Há, ainda, a preocupação com a Olimpíada do Rio. Na área em que haverá as competições de hipismo pelo menos um cavalo foi sacrificado com mormo. Para mitigar o problema, o Mapa criou um “vazio sanitário” em Deodoro, onde ocorrerão as competições.