RIO – No discurso que fez ao ganhar o Nobel de Literatura, em 1990, o escritor, poeta e ensaísta mexicano Octavio Paz (1914-1998) contou à plateia a primeira vez em que se sentiu ?desalojado do presente?, uma sensação recorrente de solidão que acabaria por definir sua obra. Tinha uns 6 anos, e uma prima mais velha mostrou-lhe uma revista americana com uma fotografia de soldados desfilando por Nova York: ?Voltam da guerra?, disse ela. ?Essas poucas palavras me perturbaram como se anunciassem o fim do mundo ou a segunda vinda de Cristo. Sabia vagamente que lá longe, anos antes, havia terminado uma guerra e que os soldados celebravam sua vitória; para mim, aquela guerra tinha se passado em outro tempo, não agora nem aqui. A foto me desmentia.?
Perseguimos a modernidade em suas incessantes metamorfoses e nunca conseguimos pegá-laFoi quando o tempo começou a se fraturar mais e mais, contava Paz, ?o mundo se cindia?, e ele não se sentia mais presente. Foi já velho que o poeta notou que a sensação tinha relação direta com o fato de ser escritor. Na reflexão, Paz mostrou de que maneira essa procura foi, também, uma paixão universal. ?Perseguimos a modernidade em suas incessantes metamorfoses e nunca conseguimos pegá-la. Abraçamo-la e logo se dissipa: é só um pouco de ar. É o instante, esse pássaro que está em toda parte e nenhuma. Queremos pegá-lo vivo, mas ele abre as asas e se desvanece, tornado um punhado de sílabas. Ficamos de mãos vazias. Então as portas da percepção se entreabrem e aparece outro tempo, o que buscávamos sem saber: o presente, a presença.?
Intitulado ?A busca do presente?, o discurso é um dos três ensaios inéditos de Octavio Paz reunidos agora pelo escritor Eduardo Jardim no livro homônimo, que inaugura o selo Ensaios Contemporâneos, da Bazar do Tempo. O livro será lançado no próximo dia 29 no Instituto Cervantes, às 18h30m, seguido de exibição do documentário ?O labirinto de Octavio Paz?, de José María Martinez, que conta a história do poeta com imagens de arquivo e depoimentos de Mario Vargas Llosa e Juan Villoro, entre outros autores.
Os três textos foram escritos em momentos distintos do autor, mas sobre uma questão central em sua obra, explica Eduardo Jardim: a ?dialética da solidão?.
? Essa ideia atravessa a obra tanto poética quanto ensaística de Octavio Paz ? afirma Jardim, também autor de um ensaio biográfico de Mário de Andrade, ?Eu sou trezentos? (Edições de Janeiro). ? A infância é um momento fechado e protegido do homem, uma solidão que se rompe na vida adulta. Para Paz, o homem caminha para superá-la através da experiência amorosa, poética. Mas a sua própria estrutura já carrega esta vivência de solidão. A poesia tenta quebrá-la, mas a marca da solidão é mais forte. Essa é a dialética.
SURREALISMO PARA MUDAR O MUNDO
Os textos, observa Jardim, exploram essa antítese de três formas: no primeiro, ?Poesia de solidão e poesia de comunhão?, de 1943, Octavio Paz elabora a tensão que há entre o sentimento de comunhão religiosa e o de solidão, por meio de poemas do carmelita São João da Cruz (1542-1591), contrastando-os com os do poeta espanhol do ?século de ouro? Francisco de Quevedo (1580-1645).
? Essa tensão caracteriza toda a poesia lírica que se desdobra a partir dali. E o eixo ?solidão? vai ficando mais forte conforme se vai entrando na modernidade ? detalha Jardim.
Autor de clássicos de temas tão distintos como ?O labirinto da solidão?, de 1950, um tratado sobre a cultura mexicana, ou ?A dupla chama?, de 1993, sobre erotismo, Paz também mergulhou no surrealismo.
É dessa época o segundo texto inédito escolhido por Jardim, ?Estrela de três pontas: o surrealismo?, de 1957, escrito quando Paz foi embaixador em Paris e conviveu com expoentes do movimento, como André Breton. Paz examina o surrealismo como uma possibilidade de dar esse salto para além da solidão ? um texto escrito na perspectiva do homem adulto, que se abre para as possibilidades de futuro. A imagem que ele usa para ilustrar o ensaio é o triângulo da vanguarda: numa ponta, a poesia; na outra, o amor; e na terceira, a liberdade política. ?O surrealismo tem o propósito de transformar o mundo com as armas da imaginação e da fantasia?, resume o escritor Victor Garcia, num dos depoimentos do documentário.
O terceiro texto é o próprio discurso do Nobel, que culmina na dialética da qual falava Jardim:
? É quando a ideia de futuro se enfraquece, e há a descoberta do presente, que não é mais um recorte temporal, é uma experiência de intensificação da vida ? conclui o organizador, que já programa os lançamentos do segundo volume do selo, com textos inéditos de Hannah Arendt (1906-1975), e do terceiro, com ensaios de Theodor Adorno (1903-1969).
?A busca do presente e outros ensaios?
Autor: Octavio Paz (org. Eduardo Jardim). editora: Bazar do Tempo. Páginas: 104. Lançamento: 29/3, às 18h30m; exibição do documentário ?O labirinto de Octavio Paz? às 20h. No Instituto Cervantes ? Rua Visconde de Ouro Preto, 62, Botafogo (3554-5910).