SÃO PAULO – Com um sorriso amplo que faz brilhar os olhos claros, a escritora irlandesa Marian Keyes não dá muitas pistas da alcoólatra e suicida que se salvou escrevendo seu primeiro e maior sucesso no mundo dos livros, o best-seller ?Melancia? ? a saga de Claire Walsh e o abandono do marido após o nascimento da filha de ambos. Nem da autora que em 2009 buscou na culinária e nos bolos uma espécie de refúgio para uma dor que não sabia de onde vinha, impedia-a de trabalhar e novamente tirava-lhe a vontade de viver. Para marcar sua segunda passagem pelo Brasil (a primeira foi a passeio, e desta vez como convidada da 24ª Bienal do Livro de São Paulo), a Bertrand Brasil está lançando ?Salva pelos bolos?, com as receitas que a tiraram do atoleiro, e uma nova edição de capa dura de seu romance de estreia.
Vista pelos críticos literários como uma mistura de autora de romances para jovens adultos e livros de autoajuda, Marian é também uma grande vendedora. ?Melancia? vendeu 500 mil exemplares no Brasil. Na esteira desse fenômeno, a Bertrand publicou outros 12 títulos dela, incluindo o romance mais recente, ?A mulher que roubou a minha vida?. No mundo, foi traduzida em 33 línguas e vendeu mais de 30 milhões de livros. Com tudo isso, ela não demonstra ressentimento com o fato de ser alvo do desprezo da intelectualidade. E avalia que é o modo como escreve que atrai os leitores, a maior parte jovens e uma boa quantidade de mulheres:
? Escrevo principalmente sobre jovens mulheres, pós-feministas, que têm a vida completamente bagunçada. E faço isso de uma maneira direta, honesta e sincera, que é como falo normalmente. Acho que as pessoas sentem-se identificadas e confortáveis ? disse ela em entrevista concedida anteontem ao GLOBO, um dia antes de seu encontro com leitores na Bienal, em que se emocionou mais de uma vez ao responder perguntas da plateia.
Marian se encaixa como uma luva no perfil dos principais convidados estrangeiros do evento, que desde a edição anterior investe principalmente nos ídolos da tendência ?jovem adulto? e autores egressos de outras plataformas, como o YouTube. A escritora irlandesa crê que essa é uma tendência a ser explorada, porque os jovens se identificam mais com os mundos criados nessas séries dedicadas a eles:
? Não sei se é culpa das redes sociais, mas os adolescentes falam mais abertamente de seus medos. E os livros para jovens adultos estão cheios de metáforas sobre suas vidas. As ficções distópicas, por exemplo, são representações do ensino médio, com suas tribos e disputas. E esses leitores articulam suas preocupações com esse tipo de história. Para mim, estar vivo pode ser muito difícil e esses livros ajudam-nos a passar pelas dificuldades ? comentou ela.
O próximo livro, ainda sem título definido, é uma variação de seus outros romances, com uma protagonista que, depois de 18 anos de casamento e dois filhos, surpreende-se com a decisão do marido de se ausentar por seis meses para tirar uma espécie de ?licença?:
? Essa é uma tendência, li muitos relatos sobre casos parecidos. Como as pessoas estão vivendo mais, a tendência é que passem mais tempo juntas. Só que a perspectiva de passar 40 ou 50 anos com o mesmo par é assustadora.
Criadora de personagens que muitas vezes lembram ela mesma e partes de sua história, Marian é uma feminista declarada e admite que o feminismo tenha adquirido um aspecto mais assustador para algumas pessoas, talvez por representar uma ideia errada de oposição aos homens, o que ela chama de ?bobagem?. Diferentemente da época em que se popularizou, nos Estados Unidos, nos anos 1960 e 1970:
? Ali era uma defesa feita pela mulher branca de classe média ? explicou ela. ? Hoje em dia, abrange muito mais gente e, inclusive, atravessa questões de classe social e de gênero. Fico muito triste quando idiotas como Kim Kardashian dizem que não são feministas. Poderia chorar quando ela diz que não é feminista, mas luta pela igualdade entre gêneros. Mas tenho esperança de que estamos melhorando.