Cotidiano

Crises emocionais e econômicas marcam filmes da competição do Festival de Berlim

BERLIM ? Pessoas separadas pelo tempo ou por crises externas a elas estiveram em pauta na programação dos filmes exibidos nesta quarta-feira (15) na competição do 67 Festival de Berlim. ?Colo?, da portuguesa Teresa Villaverde, abriu o dia com a história de uma família dos subúrbios de Lisboa atingida pela crise econômica, o que acaba aprofundando ainda mais o já desgatado relacionamento entre seus membros. Na sequência, o diretor alemão Volker Schlöndorff exibiu ?Return to Montauk?, outro drama contemporâneo, centrado no reencontro de um escritor de meia idade com uma paixão da juventude.

?Colo? é o título que melhor se encaixa na proposta da seleção da Berlinale desse ano, que se pretende um painel do momento conturbado em que a sociedade ocidental atravessa. Há muito desempregado, Mário (João Pedro Vaz) passa o tempo no topo do prédio onde mora ligando para possíveis empregadores e olhando o horizonte à procura de um futuro. Sua mulher (Beatriz Batarda) desdobra-se em dois turnos de trabalho, e volta para casa sempre exausta, sem muito tempo para o marido ou para a filha adolescente, Marta (Alice Albergaria Borges), cujos problemas típicos da idade são negligenciados pelos traumatizados pais.

? A crise do qual o filme fala vai além da econômica. É, principalmente, uma crise em família ? explicou Teresa, conhecida por dramas como ?Os mutantes? (1998) e ?Água e sal? (2001). ? Temos de lembrar que muita gente, hoje em dia, não tem tempo de viver a vida, de se comunicar com as pessoas com as quais convive. Muitos pais e mães voltam para casa depois de um dia de trabalho ou procurando emprego e não têm energia ou tempo para os companheiros ou os próprios filhos. A falta de perspectiva econômica apenas exarceba uma crise maior, que acontece no interior da família.

A trama acompanha o momento mais agudo da degração do estilo de vida da família, que mora de aluguel em um prédio de pequenos apartamentos modulados: Marta já não conta com a regularidade com o dinheiro do passe de ônibus, e já vai e volta para o colégio a pé; o pai chega ao ponto de atacar um velho amigo da escola, que demora a confirmar uma oferta de trabalho; a luz do apartamento é cortada por falta de pagamento e Marta já planeja enviar a filha e o marido para a casa da mãe, numa cidade vizinha, e ir morar com uma amiga e ficar perto do único emprego que conseguiu manter.

? Os índices de desemprego são enormes em Portugal, particularmente entre os jovens. Mas isso se repete em diversos países da Europa ? explicou a diretora. ? Essa situação, que perdura há anos no nosso país, tem gerado um outro fenômeno negativo: o êxodo de cérebros. A taxa de pessoas com diploma universitário que deixam Portugal para buscar novas oportunidades em outros países é tão grande quanto a que tínhamos nos anos 1960.

O contexto social não tem a menor importância no filme de Schlöndorff. ?Return to Montauk? conta a história de Max Zorn (Stellan Skarsgard), escritor alemão que chega a Nova York para promover seu novo livro, e se vê obcecado pela ideia de reencontrar com Rebecca (Nina Hoss), com quem tivera um tórrido romance 17 anos atrás na cidade. Hoje uma bem-sucedida advogada, Rebecca demonstra distância e mágoa; ele se diz arrependido e tem um romance inteiro ? sobre um caso de amor que não deu certo ? para provar isso, mesmo passando por cima dos sentimentos da atual mulher, Clara (Susanne Wolff). Um fim de semana na pequena cidade costeira onde foram felizes no passado pode ser definitivo na relação dos ex-amantes.

Aqui, o diretor de ?O tambor? (1979), ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro, retorna ao universo de Max Frisch (1911-1991), autor suíço de quem adaptara ?O viajante?, em 1991, e a quem o filme é dedicado. O roteiro, assinado por Colm Tóibín (autor do livro que inspirou o recente ?Brooklyn?) remete ao livro de memória homônimo de Frisch mas, segundo o próprio Scholöndorff, ?Return to Montauk? apenas se alimenta dos questionamentos levantados pelo texto, sobre arrependimentos por decisões que fazemos ou deixamos de fazer.

? As histórias de Frisch sempre demonstraram uma certa tendência em seu personagens de olhar para trás, numa tentativa de procurar ou reparar erros cometidos no passado. Chegaram a sugerir que eu adaptasse ?Return do Montauk?, mas não queria filmar o livro, meu desejo era dar a minha versão sobre o ideário dele ? explicou o realizador.