Cotidiano

Amna Popovac, consultora: ?Mulheres são fundamentais em negociações de paz?

201610141241309329.jpg?Sou muçulmana, graduada em Engenharia Eletrotécnica. Costumo dizer que cresci em três países sem ter saído do lugar: Herzegovina, Iugoslávia e Bósnia-Herzegovina. Hoje, estudo o impacto da participação de mulheres nos acordos de paz realizados pelo mundo. Conecto essas mulheres e dou consultorias.?

Conte algo que não sei.

Vinte anos depois da assinatura do acordo de paz na Bósnia, ainda não temos a sensação de paz, principalmente nas fronteiras. E é nosso maior problema hoje. A Europa não é forte o suficiente para manter essa harmonia, e para lidar com a gente: ela tem seus próprios problemas, e os acordos que ajuda a estabelecer não são a sua prioridade. A única solução seria entrar de vez na União Europeia, mas já nem sabemos quanto tempo o bloco vai durar…

Os problemas desta pacificação poderiam ser evitados? Podem servir de lição para o futuro?

O que aconteceu nos Bálcãs pode servir de lição ao que está ocorrendo na Síria. Dividiram meu país em mais de 20 partes, neste processo de pacificação, e é o que querem fazer com a Síria. Se conseguirem, será o fim daquele país. Mas parece que nada aprendemos com os erros do passado. Realmente, não sei que tipo de mundo vamos deixar para os nossos filhos.

E por que acha que esses erros parecem ser ignorados?

Porque a comunidade política internacional gosta de reproduzir histórias de sucesso. Foram publicados excelentes relatórios sobre como nosso processo de transição foi feito de forma eficaz, o que não é verdade. Na verdade, foi feito apenas pela metade. Não perdurou. Precisamos finalizar o que foi firmado: penalizar os corruptos, tirá-los do poder ou prendê-los, diminuir a criminalidade etc. As pessoas se sentem traídas por uma comunidade internacional que abandonou a regulação de um processo de paz. A democracia, por si só, não é suficiente em processos de paz: não basta realizar eleições e ter instituições funcionando. É preciso igualdade de direitos entre todos os cidadãos, e isto só é possível com um Estado forte.

E de que forma acha que estes acordos de paz podem ser mais bem conduzidos?

Aumentando a participação feminina, por exemplo. A maioria dos acordos é assinada apenas por homens.

De que forma a participação de mulheres impacta os acordos de paz mundiais?

Um estudo feito no International Peace Institute (IPI), num montante de 40 acordos de paz realizados em 35 países nas últimas três décadas, mostra que quando grupos de mulheres participam dos processos, com capacidade para influenciá-los, o acordo é muito mais facilmente alcançado. Houve apenas uma exceção neste estudo, que foi publicado este ano, o que só confirma a regra. Sem as mulheres, as taxas de alcance dos acordos são muito mais baixas.

E por que isso acontece?

A mulher negocia a paz de forma mais complexa, pensa em mais possibilidades de consequências negativas e tende a se prevenir dos imprevistos. É uma forma de negociação que tem origem na família, num mundo predominantemente masculino. O impacto feminino é sempre positivo; a presença de mulheres é fundamental em negociações de paz. Em 182 processos de pacificação, entre 1989 e 2011, houve maior impacto de duração da paz naqueles em que houve mulheres como negociadoras, mediadoras, testemunhas ou signatárias. Um acordo tem 35% mais chance de durar pelo menos 15 anos se mulheres participaram do seu processo.