BRASÍLIA – O advogado que conseguiu via ação popular derrubar o passaporte diplomático emitido ao pastor Romildo Ribeiro Soares, o R. R. Soares, tenta anular o mesmo benefício concedido ao pastor Samuel Cássio Ferreira, com base nas informações reveladas pelo GLOBO na edição de ontem. A reportagem mostrou que o ministro das Relações Exteriores, José Serra, ignorou três posições contrárias de áreas técnicas do Itamaraty e renovou o passaporte diplomático de Samuel e da mulher dele, Keila Campos Ferreira, da Assembleia de Deus.
A existência desses pareceres levou o advogado Ricardo Amin Nacle a pedir “em regime de urgência” que a Justiça Federal em São Paulo reveja decisão sobre os passaportes do casal da Assembleia de Deus. A petição foi protocolada ontem. O advogado é o mesmo que já acionou a Justiça para tentar derrubar benefícios dados a Eduardo Cunha (PMDB-RJ), após seu afastamento da presidência da Câmara e para derrubar passaporte diplomático emitido ao filho do deputado.
Uma ação popular de Nacle levou a Justiça em São Paulo a determinar a devolução dos passaportes concedidos a R. R. Soares, da Igreja Internacional da Graça de Deus, e à mulher do pastor, Maria Magdalena Soares. Outra ação movida pelo mesmo advogado, contra o benefício autorizado a Samuel e à mulher, não teve o mesmo êxito.
A 11ª Vara Cível da Justiça Federal negou o pedido, e o advogado recorreu ao Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região. Depois da decisão judicial sobre R. R. Soares, o Itamaraty decidiu suspender a emissão de novos passaportes diplomáticos para religiosos. A renovação do benefício a R. R. Soares e a Samuel foi feita por Serra.
A nova petição do autor da ação popular referente a Samuel é direcionada à 11ª Vara Cível. Ele pede uma revisão da primeira sentença, que considerou que esse tipo de ação não era o instrumento adequado para o pedido feito.
Nacle listou dois motivos para uma reconsideração a respeito: a liminar concedida para barrar o passaporte de R. R. Soares e a revelação da reportagem do GLOBO sobre a existência de três pareceres técnicos do Itamaraty contra a emissão do passaporte a Samuel. Essa circunstância reforça a ilegalidade da medida do Itamaraty, conforme o advogado.
Os pareceres técnicos consideraram que o pastor é líder apenas da Assembleia de Deus no Brás, em São Paulo, e não no país inteiro. Além disso, conforme as áreas técnicas do Itamaraty, não ficava claro como o interesse público seria atendido com a emissão do passaporte, que permite isenção de visto e de filas na imigração em alguns países. Serra concedeu o passaporte em portaria assinada em 17 de maio, um dia antes da cerimônia de posse no ministério e cinco dias depois de ser nomeado no cargo.
No pedido feito ao Itamaraty, o pastor Samuel escreveu que é “presidente executivo da Convenção Nacional das Assembleias de Deus no Brasil”. Ele é, na verdade, vice-presidente. O colegiado tem um presidente vitalício. Os pareceres das áreas técnicas alertavam Serra de que o pastor não é a “liderança máxima” da igreja, o que foi ignorado pelo ministro e pelo então secretário-geral das Relações Exteriores, Sérgio Danese. Serra disse ter seguido o parecer de Danese. Já Danese afirmou que “a decisão tem de ser do ministro”.
Samuel é investigado na Lava-Jato por supostamente lavar R$ 250 mil de propina destinada ao ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O dinheiro foi depositado em conta da Assembleia de Deus, cujo diretor registrado na Receita Federal é Samuel. O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a remessa do inquérito para o juiz Sérgio Moro, em Curitiba.