RIO ? O avanço das investigações sobre o desvio de dinheiro público durante o governo de Sérgio Cabral aponta que parte dos recursos pode estar sendo ocultada por meio de bens ainda escondidos. E mostra indícios de que dinheiro ilícito pagou despesas pessoais de diversos familiares do ex-governador do Rio, em espécie. De acordo com a ex-secretária de Adriana Ancelmo, apenas a ex-primeira-dama do Rio recebia até R$ 300 mil, semanalmente, entre 2014 e 2015, de propina paga por empreiteiras, em repasses feitos por um dos operadores do esquema.
Em entrevista coletiva nesta quarta-feira no Rio, representantes da Polícia Pederal e da Procuradoria da República, que integram a Força-Tarefa da Lava-Jato, informaram que cerca de cem peças, provavelmente joias, foram encontradas na casa de Cabral e de sua mulher, Adriana Ancelmo, no Leblon, na última terça-feira.
Porém, 19 dias antes, em 17 de novembro, quando a Polícia Federal cumpriu outro mandado de busca, estas joias não estavam no local. Na ocasião, os policiais arrecadaram 40 peças, com valor de mercado estimado em R$ 2 milhões.
? A nossa expectativa, o que a gente suspeita, é que ainda existam joias escondidas, que estão sendo ocultadas até hoje. Com joias se consegue guardar dinheiro de forma mais fácil. Para nós fica claro que a ocultação de bens ainda pode estar ocorrendo, motivo de prisão preventiva dos acusados ? afirmou o procurador José Augusto Vagos.
A denúncia se refere apenas aos contratos do estado com a Andrade Gutierrez, cujos executivos fizeram acordo de delação premiada. A empreiteira afirma que o esquema de Cabral cobrou R$ 30 milhões de propina, dos quais R$ 7 milhões teriam sido efetivamente pagos.
A aquisição de joias, afirmam os investigadores, aparece até o momento como um dos principais mecanismos de lavagem de dinheiro, e a Lava-Jato ainda aprofunda os indícios contra as joalherias H. Stern e Antonio Bernardo, que venderam mais de 400 peças para Cabral e os operadores do esquema, sem nota fiscal.
A ocultação de dinheiro de propina também ocorria, sustenta o MPF, com pagamentos em espécie para empresas de operadores, que camuflavam a origem do dinheiro com contratos fictícios. Apenas a empresa de Carlos Bezerra, homem de confiança de Cabral, obteve, entre 2007 e 2014, R$ 10 milhões, por supostas ?consultorias presenciais?, justificativa considerada inverossímil pela Força-tarefa.
Bezerra aparece como elo entre os dois métodos de lavagem de dinheiro. Além de utilizar empresas para receber parte do dinheiro de propina, a denúncia mostra que ele era o responsável por abastecer familiares e até a ex-mulher de Cabral com dinheiro vivo, supostamente para despesas pessoais.
A combinação entre o depoimento da ex-secretária de Adriana e registros de entrada do escritório de Adriana Ancelmo, que, na intimidade, era chamada de ?riqueza pelo marido?, mostra que Bezerra, às sextas-feiras, levava a Adriana remessas de dinheiro vivo, que variavam entre R$ 200 mil e R$ 300 mil.
Os recursos pagariam contas de cartão de crédito da ex-primeira-dama ou eram repassados para familiares dela ou do ex-governador.
? (A situação de Adriana) se tornou mais grave. Recebia dinheiro em espécie dentro do escritório ? afirmou o procurador Lauro Coelho Junior.
Outro depoimento, da ex-secretária de Sérgio Cabral, afirma que Bezerra também fazia remessas, que variavam entre R$ 50 mil a 220 mil, para satisfazer as despesas pessoais de Sérgio Cabral. Há indícios ainda de que dinheiro ilícito pagou gastos de outros familiares do ex-governador.
A denúncia revela novos indícios que aproximam ainda mais de Cabral da lancha Manhattan Rio, avaliada em mais de R$ 5 milhões, e que está em nome de Paulo Magalhães Pinto, um dos denunciados. Os procuradores suspeitam que Cabral seja o verdadeiro dono. Planilha aprendida na empresa MPG, de Paulo Magalhães Pinto, mostra que em 17 de agosto de 2014, ele e familiares receberam R$ 5,3 milhões pela embarcação. A investigação, porém, não revela ainda o nome do comprador.
Ainda ontem, depois de ter uma reclamação contra a Calicute rejeitada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), Cabral teve nova derrota na Justiça Federal. Por três votos a zero, em duas votações consecutivas, a 1ª Turma do Tribunal Regional Federal do Rio (TRF-2) negou os habeas corpus pedidos pelos advogados do ex-secretário estadual de Obras Hudson Braga e de Carlos Emmanuel de Carvalho Miranda, apontado como operador financeiro do ex-governador Sérgio Cabral.
Os pedidos já haviam sido rejeitados pelo relator da Operação Calicute, desembargador Abel Gomes. Na prática, os réus continuarão presos. Desde o dia 17 de novembro, se encontram em Bangu 8.
Na sessão, o desembargador Ivan Athiê alegou que os réus devem continuar presos ?para a própria segurança deles. É bom que continuem lá (presídio) onde estão. O povo está no limite da paciência e se deixa a pessoa livre, na casa dela. O Estado tem de garantir a segurança deles?.