Nos últimos tempos, tem sido amplamente divulgada uma série de desastres ocorridos na cidade do Rio de Janeiro, que tiveram sua origem em falhas na construção e omissões do poder público. O ápice foi o desabamento da Ciclovia Tim Maia, fruto de obras executadas às pressas e com valores questionáveis, para não dizer o mínimo.
Recentemente, também li a matéria do falecimento de uma jovem de 17 anos, Ana Beatriz Frade, que morreu em tiroteio na Linha Amarela, a caminho do aeroporto para buscar sua mãe e lhe fazer uma surpresa a fim de comemorar seu dia. A surpresa foi interrompida, os sonhos de Ana Beatriz também, e o Dia das Mães nunca mais será o mesmo para sua família.
Como também não foi o Dia das Mães do ano passado para a mãe do estudante Alex Schomaker, morto após uma tentativa de assalto em um ponto de ônibus próximo à Praia Vermelha, em janeiro de 2015. Alguns meses depois, o médico Jaime Gold morreu após ser esfaqueado num roubo de bicicleta na Lagoa.
Em um ano, foram ao menos três mortes brutais amplamente divulgadas e em decorrência da violência que volta a dominar a nossa cidade. Os tempos de pacificação não existem mais, se é que em algum dia foram reais. Para quem mora no Complexo do Alemão, talvez a realidade seja ainda mais dura; os crimes, ainda mais numerosos; a violência, ainda mais brutal. E os tiroteios diários, a comprovação de que os territórios pacificados voltaram a ser dominados pelo estado das milícias e do tráfico.
Enquanto isso, vivemos num estado falido, que, irresponsavelmente, concedeu isenção fiscal a diversas empresas e gastou fortunas com a Copa do Mundo, para termos um legado que jamais conseguimos vislumbrar. Não bastasse esse desperdício estadual, nós, cariocas, sofremos ainda com a ?honra? de termos sido escolhidos para sediar as Olimpíadas e passamos a ser a Cidade Olímpica. Para recebermos o evento, estão sendo gastos milhões e novamente nos prometem que teremos uma herança de desenvolvimento após o evento.
O suprassumo do desenvolvimento atende pelo nome de BRT. O máximo que o Rio de Janeiro pode oferecer aos cidadãos é uma linha de ônibus especial e expressa em pleno século XXI. O metrô não deve ficar pronto para o evento e, mesmo assim, expande-se sempre para a Zona Sul, deixando de atender aos que mais necessitam do transporte público como a Zona Norte e a Baixada. O que teremos de legado é o descaso dos governantes que fazem acordos espúrios com empreiteiras para criarem cidades que atendam ao capital.
Quantas mortes por violência ainda teremos para que nossos prefeitos e governadores decidam investir nosso dinheiro em coisas que verdadeiramente deveriam ser prioridades, como segurança, educação e saúde? A Suécia recusou sediar as Olimpíadas de 2022 para investir o dinheiro público em moradias. É assim que se decide quando um país pensa no bem-estar do seu povo, e não somente nas negociatas que envolvem esses eventos.
Será que assistiremos a alguma morte violenta durante o período dos Jogos? Será que o policiamento será ostensivo, e teremos as Forças Armadas cooperando? A prefeitura não colocaria os astros do esporte internacional em risco! Nada de ruim deverá acontecer a eles, exceto uma eventual contaminação pelo vírus da zika ou uma infecção bacteriana para aqueles que forem disputar provas na Baía de Guanabara.
Depois de agosto, seguiremos esquecidos, abandonados e vivendo sob o risco iminente da violência, das balas perdidas e de ser mais uma das vítimas que, como Ana Beatriz, terão seus sonhos interrompidos tão precocemente. Enquanto o prefeito se preocupa com o revezamento da tocha olímpica, novas vítimas da violência surgirão. Sabe quem pode ser a próxima? Você!
Cristina Biscaia é advogada