Cotidiano

'A juventude eterna é uma ideia péssima?, diz geneticista francês

65900348_SOC Rio de Janeiro RJ 22-03-2017 Instituto Serrapilheira - Serrapilheira instituto privado.jpgRIO-O francês Hugo Aguilaniu, de 41 anos, foi alçado à elite da ciência mundial estudando o envelhecimento. Em seu currículo, o geneticista acumula funções como a de pesquisador do Centro Nacional de Pesquisas Científicas da França e o cargo de revisor da prestigiada revista científica ?Nature?. Aguilaniu trocou em janeiro seu laboratório na França pela presidência do Instituto Serrapilheira, lançado nesta quarta-feira, no Rio, e que pretende formar no Brasil projetos científicos de repercussão internacional. Recém-chegado à cidade, ele discute, em entrevista ao GLOBO, os pontos fortes dos laboratórios brasileiros e a eterna busca pela imortalidade. ciência

Por que o senhor decidiu se envolver com o Instituto Serrapilheira?

Uma das razões é o impacto do programa, que será muito maior no Brasil do que em países desenvolvidos. Outro ponto é o caráter do projeto. É difícil encontrar filantropia desinteressada hoje em dia. E, por último, a minha ligação afetiva com o país. Meus dois filhos são franco-brasileiros.

O conselho científico busca trabalhos de repercussão internacional. Em que áreas podemos ser mais bem sucedidos?

Uma possibilidade é a das ciências teóricas, que não precisam de infraestrutura. Também existe uma série de assuntos específicos do país, como a medicina tropical, e outros temas em que o Brasil já mantém um alto padrão, como a matemática. O governo deve ser o responsável por investir em maquinário e expandir laboratórios de excelência. O desenvolvimento econômico nacional, em programas como a produção de commodities, dependerá cada vez mais da inovação científica.

O senhor estuda a genética do envelhecimento com experimentos em uma minhoca. O que podemos aprender a partir daí?

Estas minhocas, que são da espécie C. elegans e têm o tamanho de uma vírgula, vivem aproximadamente duas semanas. Alterando um gene, que é muito semelhante aos genes humanos, conseguimos fazer sua expectativa de vida aumentar para de 200 a 300 dias. Isso mostra como é possível aumentar a longevidade dos animais fazendo uma mudança ínfima em seu código genético. Anteriormente, acreditava-se que este processo seria muito complexo e, por isso, impossível.

E como podemos aplicar este resultado em seres humanos?

Não dá para mexer em um gene humano. É eticamente e tecnicamente complicado. Poderíamos desenvolver uma substância química para ingerir, uma espécie de remédio antienvelhecimento, que faria o organismo reagir como se tivesse passado por uma mutação genética. Mas a longevidade também está sujeita a outras condições, não tem um efeito fixo em nosso DNA.

Sua pesquisa também fala na alteração do tempo biológico. O que é isso, e quais são seus reflexos?

O tempo biológico está relacionado às grandes funções biológicas, a nutrição e a reprodução. Ele será alterado se mudarmos a velocidade com que cumprimos estas ações. O animal precisa se reproduzir para manter a espécie. Então, se ele percebeu que não se reproduziu mas que ainda pode fazê-lo, conseguirá esticar sua longevidade. As moléculas que transmitem quimicamente a informação para o animal vão protegê-lo contra o tempo.

A ciência aumentou nossa expectativa de vida, mas estamos cada vez mais sob o efeito de estresse e doenças ligadas a ele, como as cardiovasculares, que causam óbitos prematuros. Não é um paradoxo?

Sim, mas a medicina se desenvolveu de tal forma que podemos superar problemas como o frio e a fome. Mas também convivemos com mudanças na dieta, como a maior presença do sal e do açúcar. Temos que aprender a viver com esses elementos.

Devemos buscar a juventude eterna?

Espero que não, a juventude eterna é uma ideia péssima. É bom termos um tempo definido. Se chegarmos à imortalidade, como resolvemos as questões da memória e do sentido? Querendo ou não, nossa estrutura mental tem muito a ver com essa equação difícil de resolver, de que nós nascemos, morremos e temos que aproveitar o máximo possível. Se eu falo que você não vai mais morrer, então tudo fica muito chato.

Qual deve ser a nossa meta?

Precisamos melhorar o envelhecimento. Este não é um período legal da vida. Por isso temos medo de morrer. Há muitas vias metabólicas que poderiam ser alteradas para atenuar este problema. São experimentos claros nos animais e que agora chegam aos seres humanos. Um deles é a insulina que, quando não é produzida como deveria, está associada ao diabetes. No entanto, se for alterada de uma forma sutil, pode melhorar o modo como envelhecemos.

Quando nossa expectativa de vida chegará aos 100 anos?

Não estamos muito longe. No Brasil, ela já está por volta dos 78 anos. Na França, 81. Mas acho que este número não importa, e sim como atingimos esta idade. Se você vive 80 anos com ótimas condições, então vale a pena. Mas, se você chega a 100 e as últimas duas décadas foram difíceis, não dá muita vontade de chegar até lá. O foco deve ser o bom envelhecimento, e não apenas a longevidade.

O senhor tem 41 anos. Até quando gostaria de viver?

Quero viver cada dia como se fosse o último. Não sei se meu estudo vai me beneficiar. Espero que tenha impacto, claro. Mas estou mais preocupado com minha avó, que tem 83 anos e está desenvolvendo demência, do que comigo.