Cada vez mais a sociedade escancara a infantofobia, isto é, o desagrado por crianças. Torna-se lugar comum o simples não gostar dos pequenos, como se estivessem tratando da escolha de um sabor de pizza. Parece algo simples, afinal a todos é dado o direito de gostar ou desgostar de algo, mas criança não é coisa, é uma parcela da sociedade, em situação de vulnerabilidade, que depende do acolhimento coletivo. É fácil sentir o peso dessa colocação se substituir o termo criança por judeu, negro ou mulher. É criminoso, visto retirar o âmago da dignidade de alguém.
Para as crianças, o ambiente é hostil, desde os desconvites aos menores (sabe como é, não é lugar de criança) até a reprovação social das condutas de natureza infantil. Resta aos cuidadores primários a reserva no ambiente doméstico, sendo que esse mesmo ambiente não está isento de violências de outros cuidadores ou pessoas próximas. Como é comum o saudosismo do tempo da gestação, em que era possível manter a criança relativamente afastada de violações…
O movimento é de retração; todos sabem a dificuldade do isolamento social, pós-contexto pandêmico, mas condenam as mães, em especial, a manter a si próprias e aos seus filhos enjaulados, em casa, até que cresçam e possam conviver de forma teoricamente civilizada.
O contexto não é diferente com pessoas atípicas ou com idosos, visto que o mundo (já) não é mais lugar para eles, devem se manter confinados em casa. Os centros de internação psiquiátrica e asilos são abomináveis (e legalmente reduzidos), pela maciça contingência de violações aos direitos de pessoas com deficiência e idosos, porém, no contexto do “faça por si mesmo”, há a transferência da responsabilidade para as famílias sem qualquer amparo social ou estatal.
Considerando que o trabalho permanece uma obrigação de sobrevivência para quase todos e que o cuidado no mais das vezes não é remunerado, ascende a figura dos cuidadores, principalmente para os idosos, quase como “filhos de aluguel”. Nesse caso, a remuneração do cuidado ainda é tão dispendiosa que não é acessível a todas as camadas da população. Há um abismo entre a obrigação do cuidado e necessidade de subsistência de muitos, o qual passa desapercebido pela grande maioria, haja vista o contexto de solidariedade social esvaziar-se diuturnamente, como a bruma pela manhã.
Quando existentes, esses cuidadores não se tornam legalmente família, mas podem ser beneficiados por vontade daquele que é cuidado (quando pode exprimi-la livremente). É possível a doação, no limite de 50% do patrimônio (quando houver herdeiros), bem como a fixação de alimentos a serem pagos post mortem. Enfim, pode existir algum ganho patrimonial, para além da remuneração, no cuidado de idosos, contudo, para aqueles que não expressam sua vontade, por incapacidade, como crianças e muitos casos de pessoas com deficiência, o benefício remanesce no jargão da “gratidão”. Para todos os vulneráveis, porém, há o crescente sentimento de despertencimento ao mundo (falta-lhes lugar).
Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas