Thomas Malthus nasceu em 1766 e morreu em 1834. Era filho de agricultor, o que – apesar de ser professor de economia política – seguramente o inspirou a formular a famosa teoria malthusiana, contida no “Ensaios Sobre o Princípio da População”, em que afirmava “Pessoas sem restrições aumentam geometricamente. A subsistência aumenta apenas aritmeticamente”.
Passados mais de dois séculos da formulação da teoria, fica evidente que ela não subsistiu ao tempo. A população cresceu geometricamente. E – pasmem as senhoras e senhores! – o contingente com vulnerabilidade nutricional manteve-se estável. Isso porque os meios de subsistência (=alimentos) cresceram exponencialmente. O que ocorreu?
Vamos aos números. À época de Malthus, havia 1 bilhão de habitantes no mundo e 80% (800 mil) não tinham seus requerimentos alimentares atendidos. Hoje, somos quase 8 bilhões e a quantidade de pessoas com déficit nutricional, estimado pela FAO, é o mesmo. Porém, agora, representa apenas 10% da população.
Em 1800, quase 90% da população trabalhava na produção de alimentos. Em 2018 estima-se que esse percentual seja de 45%. Mas, nos países que concentram a produção mundial, o percentual da população dedicada à agropecuária é inferior à média mundial, sendo de 15% nos EUA e 13% no Brasil. Já o custo dos alimentos despencou. Nos EUA, nos últimos 100 anos, o custo – em valores reais – caiu 80%. No Brasil, em 1970, quase metade da renda das famílias era destinada à alimentação; hoje apenas 15%.
O exposto parece uma inequação: a produção agrícola aumentou mais que a população, a fome reduziu drasticamente, os alimentos estão cada vez mais baratos e acessíveis, mas a parcela da população que produz alimentos é cada vez menor. O que explica essa aparente contradição é a evolução tecnológica.
Os sistemas de produção modificaram-se apenas marginalmente durante o século XIX. Porém, sofreram transformações drásticas nos séculos XX e XXI, o que é apenas um prenúncio do que virá no futuro próximo, quando se espera que a fome seja apenas marginal e os alimentos sejam cada vez mais abundantes, diversificados, baratos, e, sobretudo, produzidos de forma sustentável.
Para explicar o ocorrido, vamos aos principais fatos: o melhoramento genético aumentou progressivamente a produtividade média dos cultivos. Por exemplo, a descoberta do milho híbrido significou enorme salto de produtividade.
O melhoramento também é responsável pela maior qualidade dos alimentos e pela resistência a muitas pragas que dizimavam cultivos inteiros. Há 200 anos, eram necessários dois hectares para alimentar uma pessoa/ano; hoje esse número situa-se na faixa de 0,08 ha/ano.
A mecanização e a automação no campo permitiram aumentar dramaticamente a produtividade da mão de obra, cada vez mais escassa no campo. Se no tempo de Malthus um trabalhador cultivava pouco mais de um hectare, hoje esse parâmetro situa-se na casa de centenas de hectares.
Os avanços em nutrição vegetal na dinâmica dos nutrientes no solo e de sua absorção pela planta, acompanhando as exigências de cada cultivo, permitiram um elevado grau de sofisticação na correção da acidez e da fertilidade do solo, quadruplicando a produtividade das lavouras.
Os agrotóxicos (que já foram chamados de defensivos agrícolas) permitem que as plantas exprimam rendimentos próximos ao seu potencial. Sem o uso deles, o mundo produziria menos da metade dos alimentos que chegam aos consumidores.
Existe uma contracorrente que propugna o retorno aos tempos antigos, sem o uso de plantas melhoradas – especialmente aquelas geradas por ferramentas biotecnológicas -, com o uso da enxada no lugar das máquinas agrícolas; do esterco de vaca ao invés de fertilizantes e de chás homeopáticos no lugar de produtos fitossanitários. Então, vamos colocar mais alguns números na análise.
À época de Malthus, a expectativa de vida ao nascer era inferior a 40 anos. Hoje, ultrapassa 72 anos. Em alguns países supera 80 anos. Parte desse aumento decorreu do atendimento qualitativo e quantitativo de necessidades alimentares. Isso também foi uma consequência do avanço tecnológico dos últimos 100 anos, responsável por fornecer alimentos de qualidade e baratos à massa da população. Produzir usando sementes de baixo potencial de rendimento, sem fertilizantes, sem proteção contra pragas, sem mecanização no campo traria como consequências a queda da produção e o aumento do preço dos alimentos, com aumento da fome no mundo.
A sociedade global não aceitará voltar aos padrões de mortalidade infantil e de fome do século XIX, o que significaria que 7,6 bilhões de pessoas não disporiam de alimento suficiente. Quem dispuser de renda suficiente para bancar o custo de alimentos produzidos em condições primitivas, com as grifes do “orgânico”, “agroecológico”, “GMO-free” ou similar, que o faça, seja por ideologia ou por modismo.
Porém, o desafio maior a ser enfrentado é com a imensa maioria da população mundial, de baixa ou média renda, que necessita de alimentos de qualidade, com baixo custo e oferta garantida. Um pragmatismo necessário, que vai muito além do romantismo de retornar à agricultura do século XVIII.
Decio Luiz Gazzoni é membro do CCAS (Conselho Científico Agro Sustentável), engenheiro agrônomo e pesquisador da Embrapa Soja
A população cresceu geometricamente. E – pasmem as senhoras e senhores! – o contingente com vulnerabilidade nutricional manteve-se estável
O desafio maior a ser enfrentado é com a imensa maioria da população mundial, que necessita de alimentos de qualidade, com baixo custo e oferta garantida