Política

Imóvel suspeito é vendido por um terço do valor para sócio de Giacobo

PGR quer saber se deputado do PP tentou driblar bloqueio de bens

Cascavel – Pouco tempo depois se tornar o primeiro réu da Operação Lava Jato a ser julgado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), o deputado paranaense Nelson Meurer (PP) vendeu por R$ 1,1 milhão um terreno avaliado anteriormente em R$ 3,1 milhões para o empresário Gilmar Marcelo, que tem como sócio o também deputado federal Fernando Giacobo (PR) e ambos dividem a mesma sede para diversas empresas: o escritório do PR (Partido da República) em Cascavel. Ao Estadão, inclusive, Giacobo disse que foi quem apresentou Gilmar a Meurer quando soube da intenção da venda do imóvel. Só que as coincidências não param por aí.

O caso veio à tona porque a PGR (Procuradoria-Geral da República) suspeita da transação. A compra do imóvel que fica em Francisco Beltrão, sudoeste do Paraná, tem indícios de uma tentativa de Meurer driblar o bloqueio judicial imposto pelo STF na ação da Lava Jato.

A ligação entre Giacobo e Gilmar é ampla. Ambos são donos da empresa Bikaner Empreendimentos e Participações S.A, com capital social de R$ 5 mil, aberta em fevereiro de 2016. Fato curioso apurado pelo Jornal O Paraná é que no mesmo endereço da empresa (Rua Paranavaí, 860, Bairro Pacaembu) constam outras quatro razões sociais: Giacobo (Giacobo & Cia Ltda), Giacobo (Gii Locadora de Veículos Ltda – Me), F.L. Giacobo Comércio de Veículos Eireli – ME e AMG Empreendimentos Imobiliários Eireli. Esta última é empresa individual em nome de Gilmar Marcelo, que arrematou a “oportunidade” em outubro de 2016 – quatro meses depois de o STF considerar Meurer réu na Lava Jato. O imóvel avaliado em R$ 3,1 milhões foi vendido ao sócio de Giacobo por R$ 1,1 milhão.

Coincidentemente, tal imóvel usado pelas cinco empresas é também sede do PR (Partido da República) – sigla do deputado paranaense, que tem a base eleitoral em Foz do Iguaçu mas que já foi de Cascavel.

A reportagem foi até a sede: a única identificação é do Partido da República.

Por telefone, em uma primeira tentativa, a telefonista informou se tratar de uma imobiliária. A reportagem pediu para falar com Gilmar Marcelo, ao que outra atendente disse “não ter nada a dizer”. Em uma terceira tentativa, um homem atendeu e, ao ser questionado sobre a AMG, disse “que no local funcionam várias empresas”, mas que não sabia da AMG. Ninguém se identificou nem passaram a ligação para Gilmar.

Em entrevista ao Jornal Estadão, Fernando Giacobo afirmou que não tem ligação com o terreno e que apenas apresentou Gilmar Marcelo a Meurer após o parlamentar lhe oferecer o imóvel: “O cara [o deputado Nelson Meurer] ofereceu esse terreno para metade da Câmara. Todo o mundo sabia”, afirmou. “Ele começou pedindo o imóvel por três, quatro milhões. A bancada do Paraná toda sabia que ele queria vender o imóvel”, disse Giacobo aos repórteres Luiz Vassallo, Caio Sartori e Rafael Moraes Moura.

A reportagem do Jornal O Paraná tentou contato novamente com Giacobo, mas a assessoria de imprensa alegou dificuldades em contatar o deputado em função de atrasos na viagem a Brasília provocada pela greve dos caminhoneiros.

Indícios de fraude

Em maio de 2017, a PGR pediu o bloqueio de R$ 7,3 milhões de Meurer – valor da lavagem de dinheiro atribuída ao deputado pela PGR. A medida foi autorizada pelo relator da Lava Jato na Corte, Edson Fachin, no mesmo mês. Foram tornados indisponíveis três carros, dois imóveis e cotas de um supermercado que somam R$ 5,2 milhões, além da participação em outras quatro empresas cujo valor não foi especificado pela Justiça.

Entre os bens bloqueados, o mais valioso é o Lote Rural nº 46-A, de 4,8 hectares, de Francisco Beltrão, declarado no valor de R$ 3,1 milhões. O imóvel, contudo, não estava mais disponível para bloqueio, pois foi alienado em outubro de 2016, quatro meses depois de Meurer virar réu na Lava Jato.

Para a procuradora-geral Raquel Dodge, a venda subfaturada e o fato de a compradora ser sediada no mesmo imóvel do escritório de uma legenda política representam indícios de fraude “na alienação do imóvel”.

Raquel pediu, em novembro passado, a extensão do bloqueio de contas de Meurer, no valor de R$ 1,1 milhão, correspondente à venda do imóvel, com o fim de atingir os R$ 7,3 milhões. Fachin autorizou, mas novamente os valores alienados não foram encontrados pela Justiça.

No dia 8 de maio a PGR intimou Meurer para prestar esclarecimentos a respeito da venda do imóvel. De acordo com investigadores, se for confirmada a tentativa de fraude, o parlamentar pode ser denunciado novamente pela Procuradoria.

Outro lado

Para o Estadão, o advogado do deputado federal Nelson Meurer, Michel Saliba, informou que o bloqueio de bens “tem como objetivo tentar influenciar os julgadores com o uso de um fato absurdo e mentiroso”.

O defensor disse ainda que, após a declaração do imóvel ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) no valor de R$ 3,1 milhões, Meurer retificou a avaliação em seu Imposto de Renda para R$ 2,2 milhões. Segundo Saliba, o parlamentar comprou o imóvel onde mora, em Francisco Beltrão, com os R$ 1,1 milhão recebidos pela venda do terreno.

O advogado afirmou que o apartamento foi bloqueado no âmbito da ação por improbidade administrativa movida pela força-tarefa da Lava Jato contra integrantes do Partido Progressista.

Primeiro político julgado

O deputado federal Nelson Meurer (PP-PR) responde a 31 crimes de corrupção passiva e oito de lavagem de dinheiro. Ele é o primeiro político julgado no âmbito da Lava Jato pelo STF. A Segunda Turma do Supremo deve retomar o julgamento do deputado nesta terça-feira. Na semana passada, a sessão foi suspensa após o ministro relator do caso, Edson Fachin, e o decano da Corte, Celso de Mello, votarem pela condenação de Meurer por 31 crimes de corrupção passiva e 8 de lavagem de dinheiro. Ficaram pendentes os votos de Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli.